sábado, 23 de dezembro de 2017

Padre José de Noronha Napoles Massa - Parte 3

PADRE JOSÉ DE NORONHA NÁPOLES MASSA – PARTE 3
Em História a finitude é uma palavra vaga – tudo o que se tem hoje pode mudar amanhã e o obscuro se torna transparente de um momento para o outro.
Escolhemos a personagem histórica vigário José de Noronha Nápoles Massa dada a natureza esplendorosa de dados e nuances de sua trajetória no  ideário espacial do passado itaquiense. Nossa cidade deve se orgulhar de ter um ser tão iluminado quanto o padre Massa. Inteligência única. Envolvimento extremado em várias ações.
Ao pesquisador, ou historiador, não cabe julgar. Sim, juntar os fragmentos pesquisados, colar as peças do mosaico e apresentar seu trabalho. O público que faça seu julgamento. O espaço terreno é o cenário para o descortínio das ações humanas. Por serem humanas, elas estão impregnadas de vícios e fragilidades. A santidade existe apenas no arcabouço de certas doutrinas.
Os homens são postos à prova quando pisam a crosta terrestre. A finitude os limita, mas a História os redime, enquanto homens, protagonistas ou não, mas homens em sua essência. Este introito busca situar Nápoles Massa nessa seara semântica.
Nas postagens anteriores (Parte 1 e 2), apresentamos um extrato da vida do padre José de Noronha Nápoles Massa em Itaqui. Seu nascimento na Bahia, vinda para o Rio Grande do Sul, designação para a catedral da Sé como cônego, suas tropelias, transferência para Piratinim, mais sobressaltos, Cruz Alta, São Borja, Itaqui, assassinato brutal. Sua vida daria um extraordinário romance.
O vigário Nápoles Massa foi assassinado, pelo filho adotivo, em 14 de novembro de 1890. Os dados novos dessa cronologia consegui-os através de cópia do Inventário do padre, Arquivo Público do RS, gentilmente copiados pelo amigo genealogista, Diego Leão Pufal, titular do excelente blog Antigualhas.
O padre morava no local onde hoje fica o prédio da antiga Farmácia Universal, quase diagonal aos Correios, esquina da Independência com Euclides Aranha. Essa casa pertencia à dona Antonia Lopes Loureiro, filha de Atanásio José Lopes, trucidado por Andresito Artigas em 1816. Dona Antonia morava próximo do Beco onde hoje situa-se a Câmara de Vereadores de Itaqui. Pois era dona da casa onde morava Nápoles Massa.
Ele teria entrado em 1882, terminando seus dias em 1890. Durante todo esse tempo, não pagou um aluguel sequer. Dona Antonia descontava com algum serviço da igreja. Exemplo: alguém que precisava pagar um casamento, ela descontava da dívida do padre. Isso aconteceu com algumas pessoas. Entre elas, estava um escravo. Os relatos antigos dão conta de que dona Antônia Loureiro era uma pessoa de extrema bondade. Hoje o beco é batizado com seu nome. Parece que a casa primitiva dela ainda mantém alguma estrutura naquela quadra frente à praça.
Por que não pagava? Não sabemos? Ou será que dona Antônia não cobrava?
Mas não ficou por aí! Padre Massa tinha uma obra para ser editada – A Gramática da Língua Portuguesa, lançada em 1888. Ele não tinha recursos para imprimi-la. Chegou até pedir dinheiro para a Maçonaria, da qual era membro. Quem emprestou o dinheiro para o padre? Quem?
- Dona Antonia Lopes Loureiro. Com todos os aluguéis sem pagar durante tanto tempo, essa extraordinária senhora ainda bancou a edição dessa obra, que é hoje uma raridade.
Bom! E ficou por aí? Que nada!
Quando Dona Antonia soube da morte do padre José de Noronha Nápoles Massa, procurou se informar se ele havia deixado algum dinheiro que pudesse ressarci-la. Nada! O inventário do padre acusou que na sua casa acharam somente uns cento e poucos réis e as despesas com o funeral passavam de duzentos.
E aí? Adivinharam? Dona Antonia Lopes Loureiro, esposa do Coronel Manduca Loureiro, mandou pagar todas as despesas do enterro do padre Massa.
Seu inventário traz uma relação de bens simples e caseiros, nenhum dinheiro, nada de casa, terreno ou campo. O padre era tido como pessoa muito boa e querida na  cidade, morreu pobre. Seus bens mais valiosos eram dois cavalos velhos e um burrinho.
Sua riqueza era seu conhecimento, sua cultura e saber exacerbado. Seu envolvimento com a comunidade.


sábado, 9 de dezembro de 2017

Padre José de Noronha Nápoles Massa - Parte 2

PADRE JOSÉ DE NORONHA NÁPOLES MASSA – PARTE 2
As dubiedades de uma conduta: entre o sacro e o profano!

Prof.º Paulo Santos


O Jornal A Província, RJ, edição 277, de 4 de dezembro de 1890, p.1, estampava:
Por um seu filho adoptivo de nome José Soares de Noronha, foi assassinado em Itaquy, no Rio Grande do Sul, o padre Jose de Noronha Nápoles Massa, que ali era geralmente estimado.
O referido veículo detalha:
O padre Massa estava deitado quando ouviu bater á porta de sua casa. De fora seu filho pedia-lhe insistentemente que a abrisse.
Ao satisfazer esse pedido, o desgraçado sacerdote foi atirado ao chão por José de Noronha, que lhe deo duas punhaladas no peito.
O jornal fala que o mesmo ainda ferira gravemente outra pessoa e fora preso por um telegrafista, chamado Sílvio, que viera em socorro do padre.
O Jornal O Brasil, RJ, edição 204, de 5 de dezembro do mesmo ano, destacava:
Chegou-nos por telegrama a consternadora noticia de haver sido assassinado o vigário de Itaquy, reverendo padre José de Noronha Nápoles Massa, um dos mais ilustres sacerdotes que honrão o nosso clero.(...) e foi contra esse velho sacerdote afável, carinhoso, rodeado de consideração que as suas maneiras instintivamente despertarão, que armou-se um braço assassino, para dar-lhe a morte. (p.2)
O Jornal do Commercio, RJ, edição 331, de 27 de novembro, informava mais:
Foi assassinado em Itaquy o padre José de Noronha Nápoles Massa, que era geralmente estimado. Era homem erudito, foi professor de Latim em Porto Alegre, era tido como primeiro latinista do estado. O seu assassino foi preso.
O infrator fugira do local do crime, sendo perseguido, capturado e entregue à polícia local. Consta que teria sido amarrado a uma árvore e chicoteado pela força de segurança que o prendeu. Foi enviado para a Casa de Correção, em Porto Alegre. Condenado a 30 anos de prisão, findando seus dias na cadeia, em maio de 1891.
Os motivos desse bárbaro crime nunca vieram à tona. Ficaram as especulações. Dr.º Sany Silva, um entusiasta pesquisador “das antigas”, de saudosa memória, estudou muito este personagem. Chegou, inclusive, a ouvir que o mesmo envolvia-se em relacionamentos não compatíveis com a batina.
Que, por ilação, sua morte teria sido encomendada por algum marido cobrando suposto envolvimento do padre com a mulher daquele. Outros dizem que o crime fundamentou-se na índole perversa do filho adotivo.
Outros depoimentos orais, porém, colocam Nápoles Massa como uma pessoa de rasgados elogios – correto, piedoso, justo e honesto. Comovia-se facilmente frente ao sofrimento de alguém, chegando, inclusive, não raras vezes, a chorar.
As dubiedades sobre sua conduta ficarão no olvido da história porque não foram totalmente explicadas.
Era extremamente culto, dominando o Latim e exercendo o magistério dessa língua. Escreveu a “GRAMMATICA ANALYTICA DA LINGUA PORTUGUEZA”, editada em 1888. Obra que gastou 20 anos estudando e preparando, não dispondo de recursos pra editá-la, sendo ajudado por amigos para tal. Essa obra mereceu estudo acadêmico contemporaneamente. Consta que teria obras sacras queimadas em incêndio em sua casa.
“Era um espírito entusiasta por todas as grandes ideias”, por isso envolveu-se em múltiplos movimentos.
Participou da Revista Murmúrios do Guayba, de Porto Alegre, 1870.
Sócio do grupo Partenon Literário, Porto Alegre, 1868.
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Membro da Comissão Consultiva de Obras Públicas, Cruz Alta, 1859.
Criou e administrou um colégio particular em Porto Alegre, chamado Ginasio Porto-alegrense.
Fundou, também, escola particular em Cruz Alta.
 Foi secretário da Mesa Diretora dos trabalhos da Assembleia Provincial, em Porto Alegre, 1853.
Era maçom, participando da Loja Maçônica Filantropia, de Itaqui.
Em Itaqui, sua memória é reverenciada com uma rua de sentido Norte/Sul – Rua Nápoles Massa.
Itaqui pode ufanar-se de ter, no passado, o convívio de uma personalidade tão rica e tão controversa.
Ele transitou entre o sacro e o profano. Viveu intensamente e fez história.


Obs,; Por opção de pesquisa, muitas fontes não são citadas, guardando-me o direito de preservá-las para futuras publicações. Todas as transcrições são, por opção, textuais, como forma de reconhecer o estilo e o modo de expressar dos autores das fontes.








quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Padre José de Noronha Nápoles Massa - Parte 1

PADRE JOSÉ DE NORONHA NÁPOLES MASSA – PARTE 1
As dubiedades de uma conduta: entre o sacro e o profano!

Prof.º Paulo Santos

Uma das personalidades mais emblemáticas da historiografia itaquiense é o Padre JOSÉ DE NORONHA NÁPOLES MASSA. Ainda que sua trajetória no espaço que compreendeu a efervescência da Monarquia e o alvorecer da República seja relevante, a maior parte de nossos habitantes desconhece qualquer nuance informativa sobre o mesmo.
Por ser uma figura assaz interessante do ponto de vista da pesquisa histórica, debruçamo-nos, anos a fio, na busca de dados para formatar o arcabouço de uma pretensa tentativa de biografia.
Reproduzimos informações conhecidas e descobrimos outras. Com isso, entendemos que algumas dúvidas antes havidas agora começam a serem dissipadas.
José de Noronha Nápoles Massa é tido como originário da Bahia, onde teria nascido em 27 de agosto de 1824, segundo algumas fontes na cidade de Sacramento de Itaparica; noutras, Nazaré. Seus pais eram João Pereira Rebello e Maria Rosa Nápoles Massa. No seu estado natal, estudou e formou-se padre, sendo ordenado em 30 de novembro de 1845, pelo Bispo D. Romualdo de Seixas, atuando logo em seguida como capelão militar.
Há referência de que quando o Bispo D. Sebastião Laranjeiras assumiu o Bispado do Rio Grande de São Pedro teria trazido uma leva de padres baianos para assumir no clero rio-grandense. Fontes indicam que ele trouxe da Bahia o padre Nápoles Massa. Entretanto, tem-se que o padre em questão já estava por aqui.
De início, no Rio Grande, Nápoles Massa foi designado para a freguesia de Piratinim, em 18 de outubro de 1849, como padre daquela localidade. A repercussão de sua chegada foi expressiva, recebendo inúmeros elogios.
Já, a partir de 1852, ocorrem alguns senões de parte da comunidade relativos ao pároco Massa. Citam que ele começa a se envolver em movimentos eleitorais, tendência essa que se manifestará mais tarde em sua carreira pública.
Uma notícia de 10 de janeiro do ano de 1850 dizia que:
(...)...em tão poucos dias que aqui tem adquirido muito e muito, tudo pelas provas que já tem dado ao povo de suas virtudes e apreciáveis qualidades, sendo incansável no asseio e bom arranjo da igreja, fazendo sempre suas praticas convidando o povo para que frequentemente busque a casa de Deus. (Jornal O Rio Grandense, RS, edição 561, p. 3).
E o mesmo jornal complementa, ressaltando seu caráter de benfeitor e entusiasta da doutrina:
(...)...offerecendo-se para ensinar a doutrina christã tanto aos meninos, com os mais fâmulos, -e poucos dias um parochiano falando-lhe para hir fazer um casamento no distrito da freguesia, dando-lhe cinco onças de ouro, elle negou-se a recebel-as dizendo que as cinco onças oferecidas a elle, os empregasse em o que mais fosse preciso para a noiva, a fim de vir á igreja, e que o casamento lhe pagarião, se pudessem. Isto ainda aqui nenhum outro praticou.
Observa-se o quanto sua chegada contagiou os paroquianos e as forças vivas do lugar, tanto que remetem correspondência para jornais enfatizando isso.
Contudo, o ano de 1854 lhe traria profundos dissabores. Uma representação da Câmara de Vereadores de Piratinim foi enviada à Assembleia Provincial denunciando atitudes e comportamentos impróprios desse padre. A imprensa da época foi pródiga na exposição do assunto.
O Jornal do Commercio, RJ, edição 145, p. 2, de 27 de maio de 1855, trazia importante denúncia:
O vigário José de Noronha Nápoles Massa põe em escandalosa contribuição os bolsos de seus fregueses, que bem caro pagão o seu zelo de cristãos.
A representação cita que o reverendo cobrava além do que exigia a Igreja e de acordo com “os teres” dos contratantes. Fato que contraria o período de sua chegada.
Entretanto, isso não era tudo:
Desencaminhou uma jovem que estava a cargo de seus parentes, e vive com ella como se fora casado, apresentando-a na sala ás pessoas que tem de falar-lhe, fazendo alarde dessa imoralidade e ofendendo assim aos bons costumes dos Piratinienses. (p.2, 1855)
Esse documento encaminhado ao Bispo Diocesano, Dom Feliciano José Rodrigues Prates, continha graves denúncias.
O padre organiza a defesa e reúne aliados na cidade, que julgam tudo aquilo uma fraude e uma infâmia. Nápoles Massa era novo ainda, tinha apenas 26 anos.
Na Assembleia Provincial, em sessão de maio de de 1855, o deputado Sayão Lobato bradava que: “(...) Existia na Villa de Pirantinim como parocho um sacerdote nas condições mais deploráveis”. Isso parecia muito grave.
No dia 8 de dezembro de 1854, o padre Massa, à meia-noite, retira-se da cidade, desgostoso pela acusação lhe imposta e temendo um vexame maior.
Em 7 de março de 1855, alguns amigos tentam lhe dar guarida. Eles recebem documentos que tentam inocentá-lo, mas a análise dos mesmos parecia uma tênue defesa, que não mudaria o quadro. Os defensores do padre publicam matéria no Jornal O Grito Nacional, do Rio de Janeiro, de 27 de junho de 1855, onde argumentavam:
O comercio sente, o povo maldiz os cinco vereadores (...)...acusarão ao referido vigário, que, com quanto pela devassa instaurada desmentisse, e levasse por terra essa vil e insignificante denuncia infamante, todavia desgostoso assim por esse tão chavasco procedimento da ilustríssima.
Observa-se que seus amigos vão até o Rio de Janeiro publicar algo em sua defesa, no entanto, ele não estava mais na Villa de Piratinim.
Transcorrido algum período, em 1862 envereda para a política, sendo eleito deputado provincial por dois mandatos, convivendo com Silveira Martins. Henrique Ávilla e outros proeminentes políticos de escol. No mesmo ano, em 23 de outubro é apresentado como cônego da Catedral, em Porto Alegre. Passados alguns anos, de 31 de agosto de 1865, outro contratempo surge na vida desse religioso: - foi suspenso do exercício de cônego por tempo indeterminado, junto com dois padres. O Bispo argumenta, na decisão:
Motivos de maior gravidade me impeliram a tomar esta medida (...) Devo informar a V.Excia que repetidas vezes, e de há muito tempo, tendo admoestado os ditos eclesiásticos a não saírem do caminho de seus deveres, com escândalos dos fieis e grave quebramento da disciplina da Igreja. (Correio do Povo, Edição do dia 07/10/1973, Caderno de Sábado, p.I a IV).
Esse documento fora encaminhado à Assembleia Provincial, isto antes dele se eleger deputado. Não se sabe que tipos de condutas inadequadas  praticou. Massa e seus colegas punidos ficam sem os cargos e a remuneração, solicitando à Assembleia, após, a restituição de seus direitos, o que não ocorreu. Em 1871 renuncia ao cargo de cônego da Catedral da Sé, em Porto Alegre.
Em 1864 foi designado para Cruz Alta.
Em 4 de junho de 1873 foi nomeado pároco encomendado para Itaqui. Não se observa estabilidade nas designações desse padre. Envolvia-se em reiteradas atividades concomitantemente. Em 1877-1878 há registro de sua passagem por São Borja.
Quando veio para Itaqui, há informação de que recebera um menino índio, órfão, para criar. O padre o reconheceu como filho, dando-lhe o nome de José Soares de Noronha, nascido em 1874. Quando foi adotado, o menino tinha 4 anos.
O padre Nápoles Massa morava em casa situada nos fundos do prédio hoje da antiga Farmácia Universal, na esquina da Praça Marechal Deodoro, quase lindeiro ao terreno da Igreja Matriz.
Com ele, moravam um empregado de nome Dorotheo Fernandes, nascido em 1858, um estrangeiro chamado Constantino Borchetti e sua esposa, um padre argentino durante um tempo e ainda, o filho adotivo, José.
Pois esse filho iria assassiná-lo em 14 de novembro de 1890. O crime teve repercussão, inclusive, fora do estado.


O Minhocão de Itaqui

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