quarta-feira, 25 de março de 2020

O estopim do Incidente de Alvear - 1874.


O estopim do Incidente de Alvear – 1874.
Uma comissão que era uma farsa e um comandante arretado!
Prof.º Paulo Santos
Foto do Teatro que homenageia o Incidente de Alvear através de seu comandante - Estanislau Prezewodowski

No mês de junho do ano de 1874 chega em Itaqui uma comissão de médicos procedente da Itália. Diziam que andavam a serviço do governo italiano. Uns dos que comandava o grupo era o suposto doutor Benat. Apresentaram-se às autoridades locais no intuito de poder clinicar na cidade.

O delegado do povoado, Dr.º Egydio Barbosa Oliveira Itaquy, desconfiou da turma em questão e proibiu que eles exercessem suas funções. Argumentou que no governo imperial, eles tinham que fazer exame de suficiência para poderem atuar como médicos.
Dr.º Egydio Barbosa de Oliveira Itaquy (reprodução ronaldofotografia.blogspot.com.br)

Parece que tal comissão não aceitou bem a determinação. Dessa forma, a título de protesto, os mesmos colocaram cartazes nas ruas contra a decisão, dizendo que iriam para as barrancas para dar consultas, no horário das 7 às 9h, alegando que ali estariam em território estrangeiro. As barrancas em questão seriam as do lado argentino, em Alvear.
Em 19 de julho de 1874, o médico da Flotilha do Alto Uruguai, 1.º Tenente Pamphilo Manoel Freire de Andrade, ao atender alguns pacientes no povoado de Alvear, o que era corriqueiro na época, devido  à ausência de profissionais gabaritados na pequena povoação fronteiriça do outro lado, pois este médico fora agredido por duas pessoas.
De retorno à unidade militar, deu ciência do ocorrido ao comandante do arsenal de Guerra da Marinha, Capitão Tenente Estanislau Przewodowski.
E deu bochincho! E dos grandes!
O caso virou um incidente internacional – os barcos da Flotilha, sob ordem de seu comandante, um baiano arretado,  bombardearam por três vezes seguidas o povo de Alvear.
E a coisa enfeiou para Przewodowski! Foi destituído do cargo e mandado a Conselho de Guerra. Imagina bombardear um país amigo, uma localidade pequena, indefesa, por buques de guerra! Inconcebível!
E o estopim?
Estava no início deste texto, que o leitor poderia achar sem graça uma comissão de médicos aportar no distante Itaqui de 1874.
Pois, naquela comissão estavam os charlatões Guido Benat e Vicente Logatto. Não deixaram eles trabalhar no Brasil, então trataram de se vingar no médico da Flotilha. Foram os mesmos que o agrediram na beira do rio Uruguai, no porto de Alvear, sem a interferência da guarda local.
Pesquisas ulteriores sobre esse grupo trouxeram-nos revelações inusitadas. Era uma mistura de curandeiros e artistas. Andavam em grupos, faziam espetáculos com bichos e feras, professavam a medicina  e desafiavam as leis brasileiras.
Dr.º Itaquy, um dos ancestrais da família Barbosa, de Itaqui, percebeu que de médicos os ditos não tinham nada. O fato gerou uma crise entre os dois países repercutindo nos debates do Senado e na troca de correspondências dos referidos consulados.
Talvez poucos soubessem deste detalhe – por que agrediram ao médico da Marinha? Quem eram? O que faziam por aqui? Depois...bem....depois a coisa ficou feia para o lado do Capitão Tenente, futuro e promissor engenheiro, Przewodowski. Itaqui resgatou seu nome num belo teatro, entretanto Przewodowski nunca mais foi o mesmo.. desiludido com os rumos do incidente e com as decisões das autoridades brasileiras, resolveu nunca mais tocar no assunto. Coisas do passado!


segunda-feira, 23 de março de 2020

Itaqui: de empório ervateiro a entreposto de contrabando.


Itaqui: de empório ervateiro a entreposto de contrabando.
Um progresso fulminante sob a égide de práticas corriqueiras do comércio fluvial fronteiriço
Prof.º Paulo Santos
Itaqui situava-se, em sua formação inicial como um entreposto importante do comércio da erva mate na fronteira oeste. Ainda que não houvesse sequer um pé dessa planta no território itaquiense, por aqui passava a maior parte do volume de transações do produto para outros portos.
O povoado, criado por volta de 1821, mantinha uma rota comercial com o porto de Curuzu Cuatiá, no lado argentino, da mesma forma que ocorria com São Borja e Itapuã, no Paraguai. Por esta rota ingressava a erva brasileira exportada para outros portos ao longo do rio Uruguai.
Como se sabe, o porto de Itaqui nasceu como um posto militar devido às constantes invasões dos espanhóis, desejos de reconquistarem os povos missioneiros entregues aos portugueses. Dessa forma, o governo da província instalou um acampamento militar comando pelo Capitão Fabiano Pires de Almeida, morador de São Borja, com 150 soldados, situados, inicialmente, na barra do arroio Cambaí, sendo transladados, mais tarde, para a área onde hoje seria o centro da cidade de Itaqui.
A povoação foi recebendo imigrantes italianos e franceses, alguns fugitivos dos movimentos bélicos fronteiriços. Pequenas e grandes embarcações faziam o comércio itinerante no Uruguai, procedentes do Rio da Prata.
De Itaqui era exportado gado vacum, couros e mulas para a região de Corrientes, Argentina. A bibliografia constante sobre o tema dá conta de que os povoadores de Itaqui se dedicavam ao comércio de erva mate.
Por aqui ingressavam muitos artigos que eram distribuídos para os mercados de Cruz Alta e Passo Fundo.
Por isso, cabe afirmar que em determinados períodos, Itaqui teve sim um progresso fulminante.
Por outro lado, muito dos autores salientam o predomínio do contrabando, tanto do lado argentino quando do lado oriental, repercutindo em Itaqui como rota importante desse comércio flutuante.
Entre 1.º de junho de 1857 a 30 de junho de 1858, por exemplo, passavam pelo porto de Itaqui 1.324.593 quilos de erva mate para a Argentina. Somados às remessas feitas ao Uruguai (1.923.593 quilos) alcançavam o total de 3.248.186 quilos, algo exorbitante para uma praça que não tinha sequer um pé de erva mate em suas terras.
Nesse mesmo período, o porto de Itaqui recebera mais de 1.600 carretas de erva. Um pouco dessa quantia era consumida no povo e o demais, exportado.
O endereço uruguaianaatalaiadapatria.worpress.com (2019) traz curiosa informação sobre o surgimento do comércio flutuante de Itaqui:
(...) O local aonde se ergue hoje (1816) a cidade de Itaqui possuía apenas alguns ranchos agrupados em torno de uma pequena casa comercial que servia de base para o contrabando com a Argentina, a esse tempo chamava-se este local, Rincão da Cruz.

Observa-se que a prática do contrabando era anterior ao estabelecimento do empório da erva mate. Ainda que esse comércio fosse forte e que mais tarde fosse agregado ao trânsito comercial da erva mate nesta fronteira, Itaqui demorou a progredir. Maestri (2019) nos informa que em 1865.
A povoação era nova e acanhada, tendo crescido devido ao comércio de erva mate. Ela possuía sobretudo casas de adobe e teto de palhas – apenas alguns negócios e moradias mais ricas eram levantadas em alvenaria e telhados.

Em 1838, por exemplo, o passo de Itaqui (na frente de La Cruz) e o Passo de Santa Ana, atual cidade de Alvear, na Argentina, eram habilitados para o comércio e exportação de gado, migrando de Itaqui para localidades como Curuzu Cuatiá e Esquina, na porção argentina da margem do rio Uruguai. Era uma freguesia de São Borja.
Reminiscência arqueológica de La Cruz - Relógio Solar - (foto disponível em www.taringa.net)
Até 1860 havia um trânsito intenso de carretas e cargueiros comerciais na rota Yaguareté Corá – Curuzu Cuatiá até Mirinãy através do porto de Itaqui. Daqui eram enviados em buques (barcos maiores) para Buenos Aires. (Gadelha, p.119).
Devido às guerras civis suscitadas desde 1838 entre uruguaios e argentinos, muitas vezes o trânsito das mercadorias exigia guias solicitadas pelas mesas de rendas. Assim, para burlar este controle muitos comerciantes desviavam por rotas e caminhos mais difíceis. E a resposta ao cumprimento das obrigações alfandegárias e a busca por melhores lucros foi o contrabando.
Segundo informação de 1869, as ervas do Uruguai vinham exclusivamente para Itaqui. Em 1870 havia apenas dois guardas fiscais pra cuidar do contrabando, comum no porto de Itaqui.
Tais informações davam conta de que as casas comerciais de Itaqui eram abarrotadas de produtos contrabandeados. Os mercados de Buenos Aires e Montevidéu, como centros do comércio internacional por volta de 1850, abasteciam esta região com produtos manufaturados, incentivando, também, a entrada de capitais internos e estrangeiros.
Medrano (1989, p.292) destaca o caráter ilícito desse comércio:
Hasta 1852 estas atividades eran realizadas de contrabando por sus fronteras dando origen a un intercambio espontaneo, pero, constante. Embarciones de pequeno y médio porte surcaban las aguas del rio y cruzaban de uma orilla a outra transportando produtos locales, y hasta europeos que entraban de contrabando por suas fontreras.

Isso acontecia porque a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul possuía enorme facilidade de navegação pelo rio Uruguai. Os produtos vindos da Europa e dos Estados Unidos chegavam aos portos de Buenos Aires e Montevidéu migrando, depois, para nossa fronteira fluvial.
O jornal Argos, de Santa Catarina, edição 155, p.3, de 1857, estampava curiosa notícia de contrabando em Itaqui:
Em 24 de abril de 1857 se projetou a realização de um contrabando na margem do Uruguai. Duas carretas, à meia noite, estavam recendo mercadorias de dois botes, do território de Corrientes, na direção de Itaqui. Foram apreendidos 17 volumes com fazendas, duas carretas e 16 bois mansos e gordos.

Inclusive, nas fontes pesquisadas havia indícios da colaboração dos guardas aduaneiros acobertando contrabandistas. Alguns eram denunciados e punidos, outros, fugiam para o lado argentino.
São Borja perde o monopólio do comércio da erva mate e os comerciantes migram para o porto de Itaqui porque vislumbravam maior poder de lucro e mobilidade de trânsito para escoamento de seus produtos. Alguns pagavam os impostos devidos às mesas fiscais; outros, nem tanto. Afinal, o contrabando era uma prática recorrente. E consentida. Comerciantes que se salientaram na economia antiga de Itaqui e se tornaram personalidades importantes na história, legando para seus descendentes grandes capitais, fizeram-se, assim, pelo contrabando. E não foram poucos, não! Citá-los agora não seria adequado porque sobejam descendentes deles no Itaqui grande.

Flashes da história primitiva de Itaqui.


Flashes da história primitiva de Itaqui
Olhares atentos. Ouvidos hirtos. Um misto de credulidade e de graça!
Prof.º Paulo Santos

É incrível o quanto o passado nos surpreende com suas peculiaridades. Ao longo da trajetória histórica e temporal do universo itaquiense, deparamo-nos  com preciosidades reverenciais inusitadas, atípicas e anacrônicas sob o olhar contemporâneo.  Algumas como:
·         No ano de 1760, na efervescência da República Comunista-Cristã (se tal terminologia fosse aceita), índios de ITAQUI foram até a redução de São Nicolau ( a 1.ª querência rio-grandense) recepcionar um Bispo da Companhia de Jesus, vindo de Buenos Aires, em visita às reduções missioneiras orientais. O curioso dessa recepção é que os caciques dos povos fizeram dupla procissão, constando de guaranis cristianizados e animais domesticados. O estranho cortejo tinha feras enjauladas como onças, tigres, além de lontras, cotias, macacos, nutrias, perdizes e perdigões. Se foram índios de Itaqui a este evento era porque os mesmos estavam ambientados ao processo comunitário-cristão da época. Com certeza, não era um povo jesuítico, mas representações das capelas do Rincão da Cruz que lá compareceram.
·         Mais distante ainda, ano de 1710, uma informação “pra lá de estranha”!  Um antigo pesquisador missioneiro, Pedro Marques dos Santos, numa publicação de 1985, informava que foi criada a primeira fábrica de sabão do Rio Grande do Sul. Conta que dois portugueses teriam montado uma indústria cuja matéria prima era a carne abandonada nos campos que, reunida, era transformada em sabão. Diz mais ainda – que tal fábrica estaria situada na região do Serro de ITAQUI, ou seja, a parte mais alta, pedregosa e árida. Com todo crédito que se possa dar à fonte em questão, esta notícia pende mais para o lado folclórico e do imaginário.
·         Chegando perto do ITAQUI português, encontramos um informe de 1858. Trata-se de um relatório do governo provincial indicando a necessidade da construção de uma pequena casa de detenção. O inusitado transita no sentido de que os criminosos eram conservados num rancho de capim e, pasmem!, sem portas. Mais de um vez, os prisioneiros fugiram acompanhados das sentinelas. Que maravilha!
·         Julho de 1865, os paraguaios invadem ITAQUI, saqueando propriedades e prédios públicos. A igreja matriz teve suas alfaias (paramentos e objetos litúrgicos) roubados. Em 1866, o padre José Coriolano de Sousa Passos solicitou ao governo provincial a compra de novos objetos sacros. Eles foram adquiridos e, no mesmo ano, o governo monárquico de Dom Pedro Segundo autoriza que estas alfaias e ornamentos fossem benzidos. Coisas do passado! O Imperador mandou. Deus salve o rei!
Sua Majestade, D. Pedro II
Nem sempre os relatos históricos estão eivados de heroísmos e fatos grandiosos. Às vezes eles estão assim – simples, curiosos, inusitados e, na maior parte, engraçados. E isso é história! Serve de munição para a formatação das estórias à beira dos fogões, dos causos inauditos, da configuração das lendas, do endeusamento de personagens. Matronas sisudas recontavam causos para a piazada; empertigados centauros platinos, sonoramente, reverberavam esses relatos. E o povo era alimentado dessas gostosas informações de um passado sentimental e folclórico. Denso, por um lado, mas repleto de pilhérias e descontraídas gargalhados, por outro. Isso é história!

O Minhocão de Itaqui

                        O Minhocão de Itaqui:   o limite entre o real e o imaginário ! Prof.º Paulo Santos O limite entre o real e o ima...