quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Povo Jesuítico de Itaqui

Povo jesuítico de Itaqui!
Será que nossos pés estão tocando raízes missioneiras?
Prof.º Paulo Santos
Cópia de mapa que estaria na biblioteca do Vaticano, recebido do pesquisador Fernando Rodrigues

Há muito pesquiso referências que possam indicar Itaqui no espaço das Missões Jesuítico-guaranis dada nossa proximidade com o secular povo de São Borja e por sermos uma estância de criação de gado da redução de Nossa Senhora de Mbororé de la Cruz. Confesso que os achados ainda são tímidos, mas relevantes.
Uma das indicações mais surpreendentes até agora vista é a notícia de que em 1759 havia o Pueblo de Itaquy. Após a Guerra Guaranítica, os colonizadores resolveram instalar um tribunal para julgar a culpabilidade, ou não, dos jesuítas no episódio da sublevação indígena frente ao Tratado de Madrid.
Oficiais espanhóis conversam com um índio chamado Ignacio Mbaegue, um guarani originário do povo missioneiro de São João Batista, que estava no Pueblo de Itaquy. Afinal, que povo era esse, visto que não éramos uma redução missioneira, apenas um rincão de criação de gado da comunidade de La Cruz, no outro lado do rio Uruguai? Por que foi citado esse nome? Onde estava situado? Em 1759 já era o início da derrocada do processo evangelizador cristão missioneiro aqui.
Durante o período que este território pertencia a La Cruz, nas Missões Ocidentais, era natural que houvesse estâncias espalhadas pelos campos, mangueiras circulares de pedra, postos de vigilância e controle do gado, algumas capelas ao longo da imensidão dos campos, todas com nomes de santos da Companhia de Jesus. Em mapa feito por ocasião da escrituração de La Cruz, aparecem, muito distintamente, dezenas de capelas com nomes em espanhol no espaço itaquiense.
Mapa constante material: La Cruz.Una rica historia por conocer. Joaquin Emilio Elizade, 2003.


Temos muitas referências a acidentes geográficos, mananciais e localidades com nomes indígenas como Bororé, Tuparaí, Itaó, Curuçu, Mbutuí, Puitã que, com certeza, devem ser desse período. Hemetério José Velloso da Silveira fazia referência a três estâncias missioneiras: Mbororé, São Donato e Santo Cristo com algumas evidências ainda preservadas.
Um grande historiador missioneiro, Pedro Marques dos Santos, dizia numa de suas obras que em 1760, a redução de São Nicolau recebeu a visita de um bispo. Muitos índios de outras reduções foram em caravana até este local. O autor cita que se reuniram índios de Itaqui. Observa-se que esta data situa-se após a extinção do processo missioneiro nos moldes anteriores. Alguns povos ainda resistiram, outros foram expulsos e segregados a outros lugares, como por exemplo, a outra banda do rio Uruguai. Se levarmos em consideração que existiu o Pueblo de Itaquy, citado em 1759 e, que agora, índios desse povo iriam recepcionar o bispo em São Nicolau em 1760, então algo havia. Como iriam índios de Itaqui se não existisse esse povo. Deveriam ir índios de Nossa Senhora de Mbororé, La Cruz, cuidando dos rebanhos dessa redução, no lugar chamado Itaqui. Isso sim. Os indícios param por aí.
A quantidade de gado criado por La Cruz na região de Itaqui era algo assombroso. A estrutura montada para gerir rebanhos imensos e controlar todo esse movimento não devia ser algo tão simples. Portanto, há de se crer que, ainda que fosse um rincão cruzenho, podia haver um povoado, com alguma estrutura comunal próxima do modelo jesuítico aqui. Esse Pueblo devia estar em algum local próximo à margem do rio Uruguai ou do rio Itaquy (atual Cambaí). São conjecturas, mas possíveis.
Existem evidências arquitetônicas desse período hoje? Não. Porém, uma foto nos intriga substancialmente. Por volta de 1908-1910, há um postal cuja legenda diz:”ruínas missioneiras”, no fundo do quartel do arsenal da marinha de guerra em Itaqui. Ei-la!



A Flotilha do Alto Uruguai foi instalada a partir de 1866, próximo à barra do rio (arroio) Cambaí. Essas ruínas estavam ali, fronteiras ao povo de Santa Ana, uma capela jesuítica do outro lado do Uruguai, hoje denominada cidade de Alvear. Observem o formato das pedras, o encaixe, o tamanho e o corte, o desenho da frontaria daquele prédio – uma porta grande e janelas laterais. O que seria aquilo? Casa de moradia creio que não! Por que colocaram “ruínas missioneiras”? Seria uma igreja? Seria um posto de passagem, uma guarda? O que seria? Por que missioneiras?
Quem conhece São Miguel das Missões, já deve ter visto pedras gigantescas e bem trabalhadas encimando portas e janelas. Observem o desenho delas e os encaixes típicos da arquitetura missioneira. Eu me arrisco a dizer que estas ruínas seriam de uma capela.
Encabeçando este texto, temos cópia de um mapa que estava no Vaticano, onde aparece a localização desse espaço missioneiro com a denominação de rio Ytaqui ao atual arroio Cambaí. Isso em 1690! Pois se esse nome Ytaqui já existia desde 1690 é porque havia evidência de algum povoado estruturado no modelo cristão da Companhia de Jesus nessas plagas.
Em 1737, num mapa de um jesuíta argentino, aparece novamente a denominação de rio Itaqi (assim grafado). Então? Talvez o embrião de toda essa dúvida esteja aí – o Pueblo de Itaquy podia estar próximo desse rio. Esse rio poderia dar nome ao território e, quem sabe, um povoado próximo a ele.
Por que a prata das Missões passou por Itaqui em 1835?
Por que a lenda do tesouro dos jesuítas povoa o imaginário itaquiense, enterrado numa curva do Ibicuí em campos da família Barbosa?
Por que havia esculturas e sinos missioneiros na antiga igreja de Itaqui? Sinos com datas de 1717 e 1733, por quê?
Por que o povo do Carmen, veio do Paraguai, em 1848, fundar uma colônia no distrito de Tuparaí?
Por que um relatório da Câmara de Vereadores de Itaqui, de 1881, afirmava que havia esteios de madeira em perfeito estado de conservação das construções missioneiras? Que construções missioneiras eram essas?

Não temos ruínas e sequer estamos no Caminho das Missões. Podemos não ter evidências líticas, esculturas ou prédios desse período, mas o acervo documental de tais evidências poderia fazer com que os estudiosos e promotores turísticos olhassem de uma outra forma para “nosotros”!
Ilustração de Gracco Bonetti, captando esse olhar que busca nossas raízes missioneiras do velho Rincão da Cruz.

5 comentários:

  1. Prof Paulo, que belas citações e intermináveis questionamentos, que talvez possamos diremir ao ler as Cartas de Tratados que estão na Argentina ou nos inventários escassos encontrados em La Cruz, mesmo assim nós reforçamos a idéia de que Itaqui também é \Missões, dada a ligação com o povo de La Cruz ou pela passagem nesta zona do padre Roque Gonzales (com documentação escassa), parabéns pelo belo trabalho e fonte de pesquisa!!!

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    1. Grato, professor Valtair. Irônico isso: um forasteiro batalhando por nossas raízes. Os daqui, muitos não fazem isso. Precisamos de pessoas assim para implodir esse monte de concreto impuro que é a nossa atual cultura histórica itaquiense. Itaqui é Missões, sim! Conto com o amigo para levantar mais alto esta bandeira - este pavilhão missioneiro!

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  2. Parabéns; excelente e sempre conscientizador ao povo atual sobre suas raízes históricas.... nunca é demais lembrar da base nativa (índia do Povo de Itaqui) - lembro que os índios não morreram, são hoje os pobres das vilas e dos bairros (geneticamente e culturalmente falando)

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  3. Bom dia!
    Onde, precisamente, ficava a capela jesuíta? Seria na quadra referente ao círculo militar, atrás do referido ou atrás na flotilha, também denominada como sendo quartel? Desde já muito obrigado! excelente trabalho!

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    1. Não se pode precisar com certeza que seria uma capela jesuítica, supõe-se, pelas referências. poderia ser um posto de passagem de controle, muito comum nas comunidades missioneiras. Pelas informações, estas ruínas estariam nos fundos da Flotilha do Alto Uruguai, provavelmente na margem do Uruguai. Não temos muito exatidão em todas estas informações. Apenas intuímos conjecturas pelos indícios.

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