segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Castelo do Vidal!


O Castelo do Vidal!
Matizes medievais e opulências aristocráticas num povoado fronteiriço.
Prof.º Paulo Santos

Um dos mais emblemáticos prédios da história itaquiense é, sem dúvida, o Castelo (ou Castelinho) do Vidal, na rua Osvaldo Aranha esquina com a Rodrigues Lima, margeando o rio Uruguai. Popularmente, tem esta conotação!
Entretanto, a construção tem origem na Família Barbosa, quando o patriarca, Coronel Tristão Pinto Barbosa encomenda a planta deste casarão, na época denominado Chalet dos Barbosa. Em 02 de fevereiro de 1910, o arquiteto Pascual Minoggio entrega o desenho do projeto que, segundo consta nos depoimentos de familiares, fora encomendado a um arquiteto de Buenos Aires.
O material veio boa parte da Argentina, via rio Uruguai, nas barcaças que também trouxeram portas, portalados, janelas, enlouçados, vidros, azulejos e móveis. Alguns desses elementos vieram da Espanha e da França. Não se sabe bem ao certo quais dos filhos de Tristão moraram neste local. Parece que a advogada Joaquina Pinto Barbosa teria residido um tempo antes de ir para Porto Alegre, assim como Manoel Pinto Barbosa. Em 1911, com as obras concluídas, podemos ver um magnífico postal do vistoso prédio e seus moradores.
Postal de 1911, O Chalet no esplendor de sua forma
A planta previa mais de uma sala, galeria, vestíbulos, banheiros, alguns dormitórios, despensa, porão, escritório e uma peça denominada Usina (talvez fosse para instalação dos comandos da rede elétrica), além de sacadas e um arremedo de torre. Na verdade, não era um castelo, apenas uma distante imitação ao formato de um chalet.
O grande caudilho político Assis Brasil, no auge de sua campanha para o governo estadual, hospeda-se neste chalet. Com o tempo, o povo foi chamando de Castelinho, denominação que perdura até hoje, apenas com o acréscimo do novo dono: Vidal!
Em 1918, o Castelinho fora comprado pelo Major Antônio Duarte Costa Vidal, juntamente  com 73 quadras de sesmaria em campos da fazenda Santa Maria, no 1.º distrito de Itaqui, na costa do Ibicuí, e mais quatro mil reses.
O Major Antônio Duarte da Costa Vidal era filho do Capitão de Mar e Guerra, Francisco Duarte da Costa Vidal, um dos primeiros comandantes da Flotilha do Alto Uruguai (1867) e de dona Manoela Dubal Vidal. Nasceu, conforme registro do padre José Coriolano de Sousa Passos, em 14 de outubro de 1867, embora algumas fontes tragam como 1872.
foto Major Antonio Vidal. (site de genealogia Geni)

Parece que teria vivido próximo dos noventa anos. Destacou-se na Campanha de Canudos, Pernambuco, em 1897, quando as tropas governistas aniquilaram com os rebeldes de Antônio Conselheiro, um visionário líder nordestino. Euclides da Cunha, com o seu magistral “Os Sertões”, disseca, com maestria, esse movimento, tratando da luta, do espaço territorial dos nordestinos em luta e a têmpera e a identidade do povo daquele lugar. Verdade seja dita – não foi apenas o sufocamento de uma insurreição. Foi um massacre, um verdadeiro massacre! Mas os heróis estão aí para serem sacralizados e os vencidos jazem sem voz!
Com o novo proprietário, o Castelinho  passa a ser chamado de Castelo ou Chalet do Vidal.
Referente aos dados pessoais e familiares do Major, não há muito rigor e clareza, por isso evito de expô-los, embora seja pacífico afirmar que passara por três casamentos.
Por volta de 1930, abandona Itaqui, indo residir em Pelotas. Lá, adquire um terreno em 1931 e manda construir um prédio com formato de castelo. Baseado em modelos de arquitetos uruguaios, desenha a planta e entrega a um construtor. A obra teria término em 1936, conhecida como o Castelinho da Quinze, situado na confluência da rua Quinze de Novembro com a Conde de Porto Alegre.
Castelinho da Quinze, em Pelotas (disponível em pu3yka.com.br)
Tinha 8 peças, garagens, salas de jogos e dependências para empregados nos porões, uma escada cilíndrica que levava até a torre. Teria sido habitado até próximo de 1964. Encontrava-se, há muitos anos, em adiantado estado de decomposição. Hoje, sinceramente, não sabemos de sua situação.
Quando morador de Pelotas, o Major Vidal era proprietário da Vila Matilde, estabelecimento pastoril no Uruguai, da Fazenda Santana, em Alegrete e do estabelecimento Santa Maria, na costa do Ibicuí, em Itaqui.
O Castelinho da Quinze viveu dias de glória, com recepções, recitais, cantores líricos apresentavam-se para a fina flor da sociedade pelotense.
Assim como o castelo de Itaqui, o Castelinho da Quinze recebeu e abrigou grandes autoridades da política regional e federal e outras personalidades sociais importantes da época. Ali pululam histórias fantasmagóricas e ou difusas.
Segundo informações orais de Pelotas, disponíveis num endereço eletrônico, consta que houve um crime no Castelinho. Um mordomo teria sido assassinado numa banheira. O medo começava a rondar as escuras repartições do casarão abandonado.
Mistérios! Silêncios!  Culpas! Carmas! Carmas?? Não, por ora, calma! Não entremos neste terreno nebuloso pois não nos cabe competência para tal.
E o Castelo do Vidal, em Itaqui, não foge à regra. Depoimentos orais também indicam que houve morte nos seus recintos. Morte estranha, omitida, relatos velados. Conteúdos da oralidade.
Depois, o abandono. Ruínas! Escuridão!
O Castelo do Vidal hoje em ruínas (disponível em www.itaquirs.com.br)
Almas penadas começam a habitar na escuridão do prédio!
Antes, a opulência e o poderio das clãs majoritárias da oligarquia local dominando aquele flamejante edifício. Durante um tempo, famílias em situação de vulnerabilidade e excluídas socialmente habitaram precariamente o Castelo. Agora, seres metamorfoseados em imagens são os inquilinos do local.
Destruição e penumbra!
Conversando com alunos de uma escola ao lado do Castelo, alguns me confidenciaram que várias vezes viram um senhor na janela dos fundos. Também visualizaram a forma de uma mulher nas janelas da frente e na sacada.
Do Castelo Vidal não restou quase nada. Paredes colossais em ruínas, telhado desabando, o mato tomando conta do terreno.
Lembranças. Ocasos!
No contorno medieval ficaram musgos e mofos. Das arcadas da frontaria, buracos e fendas.
E o Major Vidal, quem sabe, anda pelas janelas, agora sem a vaidade e o garbo dos flegmáticos tempos, procurando algo.....quem sabe....






sexta-feira, 5 de julho de 2019

Itaqui antes da emancipação.



Itaqui antes da emancipação.

Distantes tempos do “já lá vão!”
Prof.º Paulo Santos

As referências básicas da história de Itaqui estão diretamente ligadas ao processo luso. Isto é, conhecemo-la como uma possessão portuguesa, a partir de 1801 e incorporada à jurisdição de São Borja. Antes disso, pouco se sabe deste riquíssimo território histórico-afetivo.
Em 1837 tornou-se freguesia (distrito) da secular redução missioneira, São Francisco de Borja, a primeira do segundo ciclo, passando a 6 de dezembro de 1858 à categoria de município através do gesto importante do juiz pernambucano, Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira, que propôs a emancipação.
Entretanto, Itaquy (antes com esta grafia), já era credora de uma história pregressa singular. Muitas referências existem anteriores ao processo emancipatório. Inclusive, num relatório das autoridades desta região, consta que foi montado um “tribunal” para julgar a culpabilidade, ou não, dos padres jesuítas no não-cumprimento do Tratado de Madrid, quando várias reduções se insurgiram e não quiseram entregar as possessões e migrarem para o outro lado do rio Uruguai. Dom Diogo de Salas foi designado a estabelecer um quartel em São Borja para formar novo inquérito da questão da participação dos missionários. Dessa forma, em 1759, na organização deste “tribunal”, foi “entrevistado” um índio guarani do povo de São João Batista, no “Pueblo de Itaquy”. Os jesuítas foram absolvidos.
Se houve menção a este nome é porque em algum lugar devia haver este povoado, já que o povo que administrava estas terras era a redução de Nuestra Señora de Mbororé e Acaraguá (La Cruz) no lado ocidental. Isso posto, Itaqui seria um povoado jesuítico-guarani em alguma parte do vasto rincão. E, como diriam os galegos, “já lá vão” 260 anos, embora não se encontre na bibliografia das fontes missioneiras nenhuma alusão a tal localidade. Ou poderia, quem sabe, ser algum erro de registro da autoridade que notificou, no papel, o ato.
Esta região era um patrimônio do povo de La Cruz, redução jesuítica do outro lado do Uruguai,  usada para criação de grandes rebanhos de gado, tudo organizado em postos, currais, capelas ao longo das imensas sesmarias itaquienses. Tanto que era denominado “rincão da Cruz”.
Após a retomada do território ao domínio português, em 1801, aconteceram algumas tentativas dos espanhóis em reaver tal possessão.
Em 1816, o cacique guarani Andresito Artigas invade a região de Itaqui pelo Passo de La Cruz, cruzando o rio Uruguai e entrando pela barra do Cambaí, na época este arroio era chamado de rio Itaquy. Este caudilho missioneiro aniquilou uma guarda comandada  pelo furriel Atanásio José Lopes, que teve seus comandados e parte de sua família assassinados pelos invasores na estância São João, de sua propriedade.
Nesse período, a localidade de Itaquy possuía apenas alguns ranchos organizados em torno de uma pequena casa comercial, que servia de base para o contrabando com a Argentina
E desse evento “já lá vão” 203 anos e apenas sabemos algo somente após a emancipação.
Em 1821 havia uma capela jesuítica, denominada Santa Maria, próxima ao rio Ibicuí com dois marcos de pedra com inscrições em espanhol e emblemas da Companhia de Jesus. Neste mesmo ano, forças espanholas atravessam o Ibicuí chegando até Tuparaí, também uma antiga capela jesuítica.
Ao longo do imenso rincão usado para manuseio das grandes manadas do provo cruzenho, havia pequenos postos, guardas e capelas. um pequeno rancho servia de espaço para a presença do ato religioso imposto pelo colonizador jesuíta. Eventualmente, algum padre da redução ministrava missa em alguma dessas capelas. Parece que nenhum restou para consubstanciar aquele período.
Temendo novas invasões, o comando da fronteira estabelece no mesmo ano dos eventos anteriores (1821) uma guarda sob o comando do Tenente Fabiano Pires de Almeida com 150 soldados. Formaram um acampamento próximo da barra do Cambaí. Com as constantes cheias do Uruguai, foi este acampamento transladado para o atual centro da cidade. Consta que ali estaria o embrião do futuro povoado itaquiense. Vieram famílias argentinas para o local e outros emigrados fugindo das guerras fronteiriças. E “já lá vão” 198 anos.
A partir de 1822, Itaqui começa a estabelecer um intercâmbio regular com o povo correntino de Curuzu Quatiá. Por esta rota, ingressava erva mate exportada para outros portos que margeavam o Uruguai.
Em 1828, o caudilho oriental Frutuoso Rivera invade Itaqui pelo Passo do Mariano Pinto, destruindo a guarda comandada por este capitão. E “já lá vão” 191 anos. E neste ano há informação de um destacamento naval, comandado pelo Capitão Justo Yegros, em Itaqui.
A partir de 1846, São Borja sofre um processo de decadência e todo o comércio da erva-mate  vinda do planalto rio-grandense migra para Itaqui tornando-o empório das exportações do produto. A rota, originada nos países do Prata desembocava em Itaqui, com produtos e bens de toda a sorte e pessoas de diferentes nacionalidades.
Nossa idiossincrasia formou-se desta mescla fronteiriça – um pouco de índio, português, espanhol, italianos e alemães.
Itaqui sobeja em história anterior ao termo de São Borja.
Tentamos mostrar esta faceta pouco conhecida de nosso “rincão da Cruz”, São Patrício de Itaqui, embora muito ainda esteja soterrado sob a poeira do passado.


O Minhocão de Itaqui

                        O Minhocão de Itaqui:   o limite entre o real e o imaginário ! Prof.º Paulo Santos O limite entre o real e o ima...