terça-feira, 29 de agosto de 2017

Flotilha do Alto Uruguai


FLOTILHA DO ALTO URUGUAI
Vigilância da fronteira e tempo de  efervescência sócio- cultural
Ilustração do artista Gracco Bonetti - frontaria das ruínas de parte do prédio da Flotilha do Alto Uruguai, mais tarde usado pela empresa Construtora com uma unidade usina elétrica.
Prof.º Paulo Santos

Em 1866, Itaqui recebeu a preferência do Governo Imperial do Brasil para tornar-se sede de uma flotilha da Marinha de Guerra. Como essa era uma área de fronteira, estrategicamente situada em pontos de conflitos, com invasões castelhanas e paraguaias, resolveu o Governo Imperial guarnecer esses limites como forma de defender o território brasileiro de forma mais eficaz.
A Flotilha do Alto Uruguai foi constituída inicialmente dos navios Tramandaí, Taquari, e Uruguai .Logo depois vieram os encouraçados Rio Grande e Alagoas, assim como a canhoneira Greenhalg. A partir do estabelecimento da Flotilha do Alto Uruguai, em 1866, na fronteira de Itaqui, próxima à barra do Cambaí, teve incremento o progresso desse povoado.
Alguns anos depois (1882) já se constrói um prédio específico para o paço municipal (prefeitura), seguido do Teatro Prezewodowski (1886), contribuindo decisivamente para o fomento cultural. Várias companhias teatrais europeias demandavam ao teatro, via rio da Prata e Uruguai. Além disso, produtos e modismos do Velho Mundo, assim como do centro da Corte imperial brasileira chegavam às casas dos itaquienses.
   As moças “casadoiras deitavam os olhos”para os jovens navais.
Nessa Flotilha serviu um dos heróis da Marinha, o Almirante Saldanha da Gama, casado com uma itaquiense em 1867, Emília Josefina Coimbra de Mello. Casamento de 8 dias, apenas! A simples presença de Saldanha da Gama nesse insípido povoado já é “pano para muitas mangas”!
Entre 1872/1874 comandou a Flotilha, o Capitão -Tenente Estanislau Prezewodowsk,  destaque na Vila de São Patrício de Itaqui, ficando célebre pelo inusitado Incidente de Alvear, “mandando bala e bala” nos irmãos correntinos de Alvear. Os itaquienses gostaram! A Corte, não!
Nessa Flotilha existiu o Arsenal de Marinha, considerado na época muito superior ao de Porto Alegre e Rio Grande. Esse Arsenal tinha 26 metros de frente com uma grande porta e seis janelas de cada lado. Havia compartimentos para o diretor, secretaria, médicos, receituários, farmácia, enfermaria. Também, uma sala de armas bem provida de espingardas, revólveres, espadas, cartuchos e projetis para canhões. Oficinas a vapor para ferreiros e carpinteiro. Ao lado deste edifício ficava a casa do comandante da Flotilha. Ao fundo, duas guaritas na margem do rio Uruguai com um canhão e uma metralhadora.
As informações transitam num momento com a denominação arsenal, noutra flotilha, em algumas, forte.
No ancoradouro do arroio Cambaí postavam-se os barcos pequenos para o serviço do Arsenal e as embarcações citadas. Não restam mais nenhum desses edifícios, tampouco nada sobrou das embarcações, armamentos e instalações afins. Tem-se informação que a casa do comandante da Flotilha ainda existe, na referida quadra onde ficava esta instituição militar. As ruínas do prédio à margem do Uruguai são reminiscências pós-Flotilha. Sobre a casa do comandante cabe uma ressalva. A casa ora existente fica no lado esquerdo da rua Osvaldo Aranha, que desce sentido ao centro da cidade. As informações primitivas indicam que a casa do comandante ficava colada aos edifícios do arsenal, portanto no lado direito da rua, sentido arsenal/porto. Talvez essa casa fosse disponibilizada para outros comandantes fora do período inicial do estabelecimento.

Essas ruínas missioneiras(?) ficariam nos fundos da Flotilha.

 Em 26 de novembro de 1906 a Flotilha do Alto Uruguai foi dissolvida, os navios de guerra foram para Rio de Janeiro e o estabelecimento entregue ao Ministério de Guerra. Em seu lugar foi instalado um batalhão de infantaria, do Exército.
O Jornal A Federação, de Porto Alegre, instrumento do Partido Republicano, noticiava que em fevereiro de 1907, chegaram na capital dois grandes canhões de bronze que pertenceram ao Encouraçado Alagoas, inclusive utilizados na guerra do Paraguai, pesando 980 kilos, mais três chapas de couraça da torre do referido barco, pesando todas, 1.700 kilos e, mais ainda, cinco caixões contendo o arquivo da extinta Flotilha do Alto Uruguai. O interessante das chapas é que elas estavam com os sinais das balas inimigas. Tudo isso foi enviado para o Museu Naval do Rio de Janeiro. Algum itaquiense residindo na Cidade Maravilhosa pode, um dia acessar essas relíquias e comprovar se, de fato, estão lá.
Cheguei, em determinada oportunidade, a conhecer um canhão e algumas chapas de barcos e outros ferros encontrados quando a prefeitura da cidade fazia uma limpeza nos fundos do terreno do arsenal. Foi noticiado pela imprensa e parece que o canhão teria ido para o 1.º RC Mec. Tinha, inclusive, observação minha, o brasão da monarquia brasileira em seu dorso.
Em 1883 havia um forte esquema de segurança de nossa fronteira fluvial, especificamente na Flotilha do Alto Uruguai. Quase duas décadas depois de instalada a Flotilha, foi o governo imperial encorpando-a. Havia dois redutos de pedra maciça considerados fortes. Um, na beira do rio, com quatro metros de altura, inaugurado em 1881, chamado de Dois de Dezembro, em forma cônica. Em sua plataforma achava-se um canhão girando em todas as direções, calibre 120, marca Withworth.
Um outro forte, mais ao centro do destacamento, chamado de Onze de Junho, com cinco metros de altura, forma octogonal, tendo na base dois canhões, um calibre 30 e outro, inglês, calibre 32, fazendo fogo para todas as direções.
Observe, no lado esquerdo, o prédio branco, pois atrás dele, aquela construção poderia ser o Forte Onze de Junho, nomeado na reportagem  de 1883.
Além disso, havia dois canhões de bronze, de grande alcance, montados em plataformas móveis.
E mais, cinco canhões montados em carretilhas de campanha, sistema Withworth e La Hitte e outros de obuses de montanha. Somavam todos: dez canhões. Para nossa região isso era uma fortificação e tanto.
 Tem muita história ainda sobre esse sentimental e importante destacamento da marinha de guerra  brasileira nessas terras. Hoje: ruínas, mato, pedra e causos! Só!


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

As historietas familiares do passado itaquiense

AS HISTORIETAS FAMILIARES DO PASSADO ITAQUIENSE
Lenço maragato como mortalha!
Prof.º Paulo Santos
O passado nos traz tantas pequenas histórias, engraçadas, singulares e únicas, que servem para entender outros tempos e realidades e, juntamente, compreender o comportamento de nossas genealogias. São os instantâneos pretéritos.
Minha bisavó paterna, Ernestina Silveira dos Santos, esposa de Higino Francisco dos Santos, tinha um gênio difícil de se lidar: intempestiva, nervosa e furiosa, às vezes. Tinha o apelido, por isso, de “Bugia”. Vivia sozinha, isolada, quando tinha suas crises, tocava o marido de casa, conforme registros dos parentes.
Vendia as tropas de boi e guardava o dinheiro num armário, colocando-o embaixo dos pratos. Isso tudo são depoimentos dos descendentes.
Quando se sentiu mal, prestes a morrer, chamou meu avô materno, Thimoteo Floriano Corrêa, com que se simpatizava muito e pediu que mandassem comprar em Maçambará um pedaço de pano vermelho para lhe servir de mortalha em seu caixão. Era uma maragata.
Thimoteo Floriano Corrêa relatou o pedido à família, dizendo também onde ela escondia o dinheiro. Os filhos não aceitaram e colocaram um pano preto quando ela faleceu poucos momentos depois.
Dias após, segundos os relatos das pessoas que viveram aquela situação, Ernestina apareceu na forma de espírito, em sonho, para minha avó materna, Isabel Mello Corrêa, esposa de Thimoteo, queixando-se de terem colocado aquele lenço preto, sentindo-se sufocada. Tinham renegado suas convicções de maragata.
Ficou sabendo-se que, inicialmente, a família procurara o pano vermelho, que ela guardava num antigo baú. Encontraram-no extremamente puído, sem condições de colocar como mortalha.
Ernestina casara com Higino, gerando os seguintes filhos: Ariobaldo, Vilebaldo, Ifibaldo e Osvaldo( meu avô, pai de Waldemar Corrêa dos Santos, já falecido, meu pai.).
Guardo com muito carinho esses instantâneos do nosso pretérito itaquiense e familiar. Mandem para nós suas histórias familiares, isso é legal e resgata o passado de uma forma tão descontraída e terna – e sigamos vivendo o presente, dentro de nossa sociedade plural, cheia de ações e vivências que farão parte do futuro do presente.
Se forem críveis ou não, isso fica no plano do imponderável e do possível. Acreditar é um direito insofismável. Da mesma forma, a discordância é prima-irmã da verdade. Ambas são o retrato da dubiedade humana.

Afinal, o passado é uma mistura de racionalismo com excessos de doses épicas, elogios mirabolantes, lendas, misticismos e fantasias. O imaginário familiar soma-se ao imaginário coletivo, tornando-se tudo bem possível!
Líderes maragatos, alguns  tiveram em Itaqui em 1893, na Federalista.

sábado, 26 de agosto de 2017

Sua Alteza Imperial na Vila de São Patrício de Itaqui (2)

SUA ALTEZA IMPERIAL NA VILA DE SÃO PATRÍCIO DE ITAQUI – 2
 
Dom Pedro II, com o pala presenteado pelos rio-grandenses.
Prof.º Paulo Santos

Dando sequência ao relato da estadia de Dom Pedro II, em Itaqui, dia 26 de setembro de 1865, apraz-nos conjeturar sobre algumas peculiaridades desse evento. Sim, porque isso era um evento. A incipiente povoação ribeirinha, com pouca assistência do governo provincial, distante dos centros de poder, isolada na pampa imensa, uma visita dessa natureza era motivo para demoradas conversas à sombra frondosa das figueiras, bebendo do chimarrão com erva vinda dos ervateiros do planalto gaúcho.
Não há como negar – era um acontecimento e tanto!
Após percorrer a região onde ficavam as pedreiras, Sua Majestade se dirigiu à coxilha do lado do cemitério novo.
Segundo dados recolhidos por pessoas conhecedoras do assunto, seria a zona da atual Escola Estadual Aureliano Barbosa. Parece que naquela quadra estava situado o referido cemitério, um dos primeiros da povoação. Talvez essa coxilha principiasse desde o Castelinho da Vila Alba indo até ao Aureliano. Dom Pedro, após essa recorrida, voltou em direção à parte baixa da cidade, que se supõe da zona da Ponte Seca, Centro e Umbu. Num desses locais estava situado o cemitério velho (não se conseguiu localizar com precisão o local). Ali, o Monarca fez uma oração em honra ao finado Coronel Manuel dos Santos Loureiro – Manduca Loureiro, esposo de dona Antonia Loureiro, filha de Atanásio José Lopes. Esse foi um dos comandantes legalistas que se bateu em luta a favor da monarquia brasileira, seja na Guerra do Paraguai, ou, antes, na Revolução Farroupilha. Consta que na invasão paraguaia, sua residência no interior no município foi preservada pelos inimigos. Parece que o distinto Coronel havia mantido algumas relações comerciais, ou amistosas, com o líder paraguaio, Solano Lopes.
Fontes orais citam que dom Pedro deu uma parada e atado seu cavalo numa árvore que ficaria em terreno frente ao atual Hotel Contursi.
Dom Pedro II atravessou a rua principal, que originalmente era chamada de rua do Ipyranga (Hoje Independência). Estava quase deserta a vila, as famílias haviam abandonado o povoado diante da invasão e ainda não haviam regressado dessa emigração. Talvez estivessem recolhidas nos matos, em propriedades rurais mais seguras. As vidraças das casas estavam quase todas quebradas, portas e janelas abertas. Os paraguaios roubaram o que puderam.
Imagina-se que a área urbana de Itaqui devesse ficar circunscrita a 4 ou 5 ruas de sentido norte/sul e outras tantas, de leste/oeste.
Segundo alguns relatos históricos, os habitantes de Itaqui já sabendo dos efeitos da invasão a São Borja, prontamente abandonaram o povoado, migrando para o interior, em locais que propiciavam proteção melhor e distante do inimigo.
O interessante da narrativa do cônego Gay é o fato de que não havia prédio público em Itaqui naquela data. Havia apenas um prédio que servia como cadeia e sede da Guarda Nacional. Esta casa devia ser uma espécie de sobrado, pois Sua Majestade nela subiu e teve uma vista panorâmica de toda a Villa. Antes do meio-dia, o Monarca retornou ao barco Onze de Junho para o real almoço com seus súditos. O Marquês, mais tarde, célebre Duque de Caxias, não desembarcou, pois estava acometido de uma gripe muito forte. O legendário militar tão afeito a sérias refregas, ali estava entregue a uma corriqueira gripe. Coisas da história!
Poxa, que honra para Itaqui – Dom Pedro II, autoridade máxima do regime imperial português no Brasil e o Marquês de Caxias, considerado o maior herói militar de todos os tempos. Dois protagonistas num úmido e desolado cenário interiorano. Que pena, diriam outros!
Depois do almoço D. Pedro foi apresentado pelo padre José Coriolano de Sousa Passos a uma índia guarani. Ambos conversaram, o comandante galego interessou-se pela língua guarani e fez à assustada indígena, inúmeras perguntas.
O padre José Coriolano de Sousa Passos tinha um filho, Israel Sousa Passos, que originou a família desse sobrenome em Itaqui. O padre em questão morava na esquina onde hoje funciona a seita Jorei, Independência com João Dubal Goulart.
Esta era a casa do padre José Coriolano de Sousa Passos,
 aqui aparecendo frente ao prédio da hoje
Secretaria Municipal de Educação. Ela teria sido demolido por volta de 1960/1970

À tarde, Sua Majestade foi dar um novo passeio pela Villa. Conversou com várias pessoas que vinham lhe beijar a mão, indagando como tinham sido tratadas pelos paraguaios. Quando entardecia, retornou ao barco do séquito imperial para repousar o sacrossanto corpo monárquico de tão “estafante tarefa”.
Pelas 6 horas da manhã, o vapor Onze de Junho zarpa com destino a São Borja. Lá chegaram às 15h30min, levando 7 horas e 30 minutos de viagem, via fluvial. Hoje, via rodoviária, é possível de se cumprir esse trajeto em menos de uma hora. Coisas do progresso! Valeu a pena essa visita?
Um ano depois (1866) é instalada a Flotilha do Alto Uruguai, para guarnecer essa fronteira. Nela passaram Prezewodowski e Saldanha da Gama, entre outros. Valeu a pena a plebe itaquiense beijar mão de Dom Pedro II.

Como diria Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Sua alteza Imperial na Vila de São Patrício de Itaqui (1)

SUA ALTEZA IMPERIAL NA VILA DE SÃO PATRÍCIO DE ITAQUI (1)


Prof.º Paulo Santos

         Os assíduos frequentadores dos bares próximos ao Porto, dos transeuntes abandonados pelas famílias entregues à adoração das “marias-moles”, os ribeirinhos ali instalados, os chalaneiros, os pescadores de tarrafa, os de vara de taquara, os “bolsoneros” que transportam caixas e caixas de cervejas argentinas, os remediados moradores, os aristocráticos proprietários, nenhum desses tipos que margeiam o entorno do Porto, do Mercado Público Municipal ou do antigo Quartel dos Navais imagina que estão pisando no solo em que pisou Sua Alteza Imperial, o Imperador Dom Pedro II, filho de D. Pedro I, que proclamou a Independência do Brasil e neto do “levemente obeso” Rei Dom João VI( que comia frangos com torradas no café).
Pois ali, naquelas confluências, no dia 25 de setembro de 1865, estivera passeando o distinto Monarca, chefe supremo da Monarquia instalada no Brasil. Dom Pedro II viera tomar pé da situação em que se encontrava o Exército brasileiro frente à invasão paraguaia no mesmo ano.
Com toda sua comitiva imperial, composta dos genros, o Marquês de Caxias (mais tarde, Duque), saiu do Rio de Janeiro em 10 de julho de 1865, chegando ao Rio Grande do Sul seis dias após. Depois que os paraguaios se renderam em Uruguaiana, com a presença de Sua Majestade no comando do espetáculo, visto que já estava tudo pronto. Os comandantes-em-chefe das forças da Tríplice Aliança já haviam encurralado os incautos guerreiros paraguaios de Estigarríbia, não havia nenhuma possibilidade de resistência. Então, cabia ao eminente chefe da nobreza brasileira o papel principal – o protagonista do ato final. Prato cheio para os pintores e cronistas da época. Encerrado esse ato, D. Pedro resolve observar os estragos provocados por essa invasão, principalmente em São Borja e Itaqui.
Partiu de Uruguaiana, no vapor Onze de Junho, sob a custódia do barco-de-guerra Tramandaí. Eram 19 horas do dia 25 de setembro, o barco com tão distinta tripulação ancorava no porto de Itaqui, que, pelos relatos, ficava próximo à foz do arroio Cambai. Fazia frio e caía uma chuva que enlameava o povoado. As ruas da Praia, do Valo, das Pombas, das Missões eram, na verdade, arremedos de artérias, meros atoleiros ou pedregais.
Dom Pedro II, vestindo um ponche bordado a ouro, presenteado por alguns súditos dessa província, desembarcou, acompanhado do esposo de sua filha, Princesa Isabel, o Conde d´Eu, e o outro genro, Duque de Saxe. Quem sabe, esses gringos não estivessem torcendo o nariz, com medo de sujarem suas vestes imperiais no terreno enlameado de uma vila nos arrabaldes do Rio Grande do Sul. O Conde d”Eu, através de um diário de viagem deixa bem claro seu fastio frente ao povo e as condições da província. A leitura desse documento deixa bem claro sua antipatia. Percebe-se que estava a contragosto. Em Itaqui, com certeza, naquele embarrado dia, devia estar também muito emburrado!
Chefiava a comissão de autoridades de Itaqui, o juiz Cunha Lima, acompanhado do vigário José Coriolano de Sousa Passos (o primeiro padre de Itaqui). Padre esse que deu origem à família Passos deste município. Arranjaram-lhe um cavalo para percorrer o povoado.

Imaginem que o glorioso, que o “inóxio” D. Pedro II, da Casa dos Borbons, iria sujar suas engraxadas botas imperiais!  Tomaram a direção da zona onde hoje está situada a Ponte Seca (uma espécie de viaduto construído na Osvaldo Aranha, esquina da Luizinha Aranha). Nesse local, os habitantes extraiam lajes para construção de calçadas, para mesas e outras finalidades, dada a excelência do material. Conversou com os moradores, deu sua monárquica mão para beijar, concedeu esmolas. Era carismático o homem! Os cronistas de seu tempo o pintavam como um homem culto, moderado e benquisto; para seus inimigos era apenas o representante do colonizador, responsável pela execução do projeto de consolidação do domínio luso nessa terra. Para os itaquienses daquele chuvoso dia 25 de setembro de 1865 nada disso interessava. Estavam diante de Sua Alteza Imperial. Tinham que se ajoelhar e beijar sua mão por tão auspiciosa ventura! (Este texto faz parte de nossa Agenda 150, 2008)

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Período republicano em Itaqui

PERÍODO REPUBLICANO EM ITAQUI
Nos meandros do poder – caudilhos e coronéis num amálgama politiqueiro!
Foto Cel Felipe Nery de Aguiar


Prof.º Paulo Santos

Itaqui, após o advento da República, teve sua trajetória política delineada pela atuação dos republicanos. O Partido Republicano , liderado pelo caudilho Júlio de Castilhos sempre comandou as rédeas do poder local. Contendas, como as verificadas entre os seguidores de Júlio de Castilhos e Silveira Martins serviram de álibi à famigerada Revolução Federalista, iniciada, em todo o Estado, em 1893.
A linha do tempo do governo itaquiense está estruturada em três fases: 1.ª a das Câmaras Municipais; a 2.ª a dos Intendentes e a 3.ª, dos Prefeitos. O presidente da 1.ª Câmara Municipal foi o Cel Antonio Fernandes Lima¹. Essas Câmaras, denominadas de Conselhos Municipais, duraram até 1889, quando assumiu o governo republicano. Neste ano, era presidente da Câmara Municipal de Vereadores, o Dr.º Eduardo Fernandes Lima, um sobrinho do 1.º presidente, Cel. Antonio Fernandes Lima.
Na República, o primeiro intendente, nomeado, foi o Cel Felipe Nery de Aguiar, em 1892, sendo eleito em 1896. Descendentes desse militar ainda vivem em Itaqui, sendo outros espalhados por todo o Brasil. Felipe Nery nasceu em 7 de março de 1845, em Itaqui, filho de imigrante português. Seu pai era Braz Pinto de Aguiar casado com Maria Josefa Lopes de Aguiar, ambos de Santa Maria. Seu avô paterno era o Tenente de Milícias, Baltazar Pinto de Aguiar, nascido na Bahia, casado com Luiza Francisca Cabral, natural de Cachoeira, um dos primeiros municípios do Rio Grande. Luzia tinha parentesco com o Coronel Antonio Fernandes Lima. Baltazar no período da Revolução Farroupilha era um dos inimigos de Bento Gonçalves, respeitado como tal. O bisavô de Felipe, Baltazar Antonio Pinto (ou Pinto de Aguiar) veio de Portugal, talvez da freguesia de Aguiar, casando no Brasil, com a baiana Adriana Felícia de Santana.
Os pais de Felipe Nery migraram de Santa Maria da Boca do Monte no horror da revolução farrapa onde não se respeitavam as famílias e propriedades dos inimigos. Sendo seu pai um líder imperial, Braz trouxe a família para a fronteira, aqui adquirindo terras. Felipe casou com sua prima, Cândida Lopes de Aguiar.
Tiveram uma única filha, Felicidade de Aguiar Caldeira, casada com Maurílio Xavier Caldeira. Esse casal gerou a seguinte prole: Elisa, Elida, Hilda, Alda, Otília e Felipe. De Elisa Caldeira Degrazia casada com Paschoal Degrazia descendem José Felipe, Milton, Edilberto, Vanda, Roque, Ilza, Marina, Gilda. Muitos já faleceram. São bisnetos do Cel Felipe Nery de Aguiar, em Itaqui, a sra. Gilda Degrazia Saadi, viúva do Dr. Chaphick Saad e sr.ª Ilza Caldeira. Uma pessoa muito querida na comunidade, o seu Roquinho, da lotérica, era também um dos bisnetos do primeiro intendente. Salvo algumas imprecisões, esse é um breve relato da genealogia dessa personagem da história itaquiense pouco conhecida. Felipe Nery de Aguiar era primo-irmão de meu trisavô paterno paterno – Augusto Silveira Dutra. A mãe de Augusto, Ana Teixeira Conrad (Lopes) era irmã da mãe de Felipe.
Meu trisavô, Augusto, em 1897, teve sua fazenda assaltada por um grupo de malevas. Houve tiroteios e o mesmo foi ferido gravemente na perna. Entretanto, Augusto e sua família rechaçaram a invasão e os salteadores fugaram. Nesse período, Felipe Nery de Aguiar providenciou um soldado da guarda municipal para guarnecer a dita fazenda. Coisas do passado. Benesses de família.
Vencida essa etapa, inaugura-se, por outro lado, a fase das prefeituras, O primeiro a ocupar o cargo de prefeito foi Otávio Silveira, em 1938.


Lucidório Camaru


LUCIDÓRIO CAMARU

Um arremedo de mártir da República lá no distante Itaqui monárquico.
Prof.º Paulo Santos
Certas personagens da história de Itaqui são eventualmente desconhecidas por grande parte da comunidade. Se perguntássemos quem foi Lucidório Camaru, eu creio que bem poucos saberiam responder. Talvez meia dúzia de obstinados pesquisadores, ou algum adepto da valorização das coisas do passado.
Vamos, então, tentar sanar essa deficiência. 
Lucidório Camaru era um jornalista, dono do bisemanário A Gazeta do Sul, em Itaqui, no conflitante tempo que antecedeu a República. As informações indicam que Lucidório era um republicano convicto, escrevendo artigos contra a Monarquia, fato que lhe granjeou antipatias múltiplas. Fruto desses ânimos acirrados foi traiçoeiramente assassinado dia 24 de setembro de 1889.
O mesmo saía de sua casa em direção ao jornal, após as 9 horas da noite, em companhia de dois companheiros: João Elizalde e José Loureiro, quando recebeu um tiro fatal, vindo da esquina onde ficava a casa de negócio de Olivério José Gomes.
Havia um precedente: dia 2 de maio de 1889, Lucidório foi alvo de um ataque quando retornava de um baile, sendo agredido por dois indivíduos que dispararão contra ele vários tiros, causando ferimento numa perna. Mais de uma tentativa aconteceu.
Segundo, algumas fontes, foi velado todo o dia 25, saindo o enterro dia 26 de setembro, sendo o féretro conduzido à mão até o cemitério por mais de duzentas pessoas, o que para época era um exagero. O cônego José de Noronha Nápoles Massa encomendou o corpo. O fato deu-se nas imediações da antiga Ponte Seca. Esses dados tinha-nos através do Dr.º Sany Silva, quando consultei suas fontes.
Havia rumores de que esta morte fora encomendada pelos inimigos monarquistas diante das ferrenhas críticas dirigidas ao governo de Dom Pedro II. O mesmo Monarca que em 1865 havia passado a cavalo pelo mesmo local aonde viera a sucumbir Camaru. Triste ironia!
De acordo com as fontes consultadas, há divergências de informações. Segundo outro registro do padre Nápoles Massa, Camaru teria falecido em 21 de setembro de 1889, com 23 anos, inclusive não havia no registro o nome dos pais, ficando em branco esse dado. Soube-se, mais tarde, que sua mãe, Vistalina Camaru, após sua morte, andou em Porto Alegre, pleiteando justiça para o filho assassinado. Segundo Massa, ele foi sepultado no mesmo dia, contrariando fontes anteriores.
Antes, em 16 de março de 1889 chega uma correspondência da Secretaria do Governo da Província do Rio Grande mandando anular uma proposta que a câmara municipal havia feito em favor de Noronha da Fontoura para publicação dos trabalhos municipais, porque a mesma não fizera concorrência pública, em detrimento de Lucidório Camaru, que protestou. Quem sabe isso, mais algumas picuinhas politiqueiras do lugar não alimentaram a caudilhada. Uma vez mobilizada, e na defesa de seus interesses, no caso a permanência da Monarquia, providenciaram em silenciá-lo.
A notícia da morte foi dada pelo mesmo jornal A Gazeta do Sul, na edição n.º 161, terça-feira, dia 1.º de outubro de 1889. No mesmo jornal, no dia 13 de setembro Lucidório denunciava uma tentativa de assassinato contra sua pessoa ocorrida dia 11, dizendo que esperava todos os dias a repetição do ato.
A nota descreve que a polícia da época fez pouco caso. Teriam prendido o suspeito do crime, tendo o delegado aberto as portas da prisão e levado o mesmo “para o quartel a conviver com seus soldados e com eles fazer correrias pela cidade.” A coisa era complicada nos meandros do poder!
Havia indícios de que o delegado autorizara o espancamento de Lucidório, porém negara seu extermínio. O Jornal A Federação, através do todo poderoso Júlio de Castilhos, dispara farpas fortíssimas contra a polícia local e alguns figurões da elite itaquiense, detentores de posições políticas extremadas contrárias à República.
O mesmo jornal, em edição de 11 de outubro de 1889, denunciava como cúmplices do assassinato aos cidadãos Orlando, Jayme e Noronha, todos liberais. Inclusive, o primeiro andou por Porto Alegre tentando provar sua inocência e pedindo apoio e proteção de seus superiores políticos, o terceiro era um dos envolvidos na questão da proposta a qual Camaru protestou.
A sociedade itaquiense, no entanto, repudiou o nefasto crime. Parece que nada foi feito, o criminoso não foi descoberto, e como o poder ainda estava nas mãos de gente ligada à Monarquia, mesmo que com alguns adeptos republicanos, não havia interesse em ir mais além. Lucidório era um ardoroso republicano, pagando bem caro por isso.
Entretanto, o advogado de Camaru havia articulado um processo de defesa onde centrava a acusação nos mandatários do delito. Por mais de uma vez foi adiado o julgamento, passados já dois anos.
Após o assassinato, alguns dos suspeitos foram presos em Itaqui, ficando em lugares que não era a cadeia. Inclusive isso gerou uma questão das autoridades locais, requerendo ao Estado o ressarcimento do aluguel pago às casas onde ficaram presos nesse período, o que foi negado.
Durante muitos anos, a rua D. Pedro II recebeu o batismo de Lucidório Camaru, vilmente vitimado à socapa pelos inimigos da República, na noite de 24 de setembro de 1889 (ou 21 de setembro, conforme o padre Nápoles Massa).  Em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca proclama a República, derrubando o regime monárquico. O sacrifício de Lucidório não fora em vão.
Através de informações orais, o local da morte de Lucidório Camaru seria na entrada da, hoje, área de lazer, ao lado do porto local, haveria uma cruz onde constantemente se observam velas acesas – ao menos essa é a informação oral.
Este texto consta, com alguns acréscimos recentes, de nossa obra Agenda 150. Um passeio pelos carrilhões do tempo pretérito itaquiense, Itaqui, Novigraf, Itaqui, 2008.


Andrés Guacurari Artigas

ANDRÉS GUACURARI ARTIGAS: UM SEPÉ REAVIVADO!

Prof.º Paulo Santos

Muitos de nossos pesquisadores idolatram a figura de Sepé Tiaraju, o corregedor missioneiro de São Miguel, um dos líderes da revolta indígena contra o Tratado de Madrid, no qual os índios cristianizados se insurgiram com a entrega dos Sete Povos das Missões para os portugueses. Outros autores, nem tanto, pelo contrário, torcem o nariz, argumentando que Sepé estaria a serviço da coroa espanhola. E uma parcela significativa acredita que o Tiaraju teria sido um mito construído pelos defensores da Companhia de Jesus, com o propósito de se rebelar contra a extinção da referida ordem religiosa naquela nominada “República Guarani” na América.
No entanto, há outro expoente, adormecido no olvido da memória, renegado pela historiografia oficial – o cacique guarani – DOM ANDRES GUACURARI, um tape, de estatura baixa, corpo manchado de varíola, que lia e falava fluentemente o guarani, espanhol e português, e que se consagrou como um dos ícones da resistência indígena contra o elemento colonizador.
Sua história, assim como a de Sepé, está envolta num misto de misticismo e credulidade, cercada de heroísmos, intrigas, paixões e mistério. Temperos essenciais para quem gosta de história.
Para uns, Andresito, como era chamado, nasceu em São Borja, por volta de 1783; para outros, em Santo Tomé, Argentina, país onde é tido como herói. Conforme alguns dados bibliográficos dos hermanos que afirmam: “gracias a Andresito somos argentinos.” Inclusive, uma comissão de estudiosos argentinos requisitou ao Brasil os restos daquele caudilho. Não se tem notícia do sucesso dessa empreitada.
Pois Andresito, órfão de pai, foi criado com o chefe político uruguaio José Artigas, no auge do federalismo que se estendia pela Banda Oriental (Uruguai), Misiones, Entre Rios, Corrientes, Santa Fé e Córdoba, povos esses que formavam a Liga dos Povos Livres, que posicionava contra o poder central de Buenos Aires.
Andresito Guacurari Artigas tornou-se Capitão de Blandengues, chegou a ser governador de Misiones e Corrientes, na Argentina, assumindo o Comando Geral de Misiones, aonde chegou a governar os 15 povos das Missões entre os rios Uruguai e Paraná. Algumas campanhas são destacadas na carreira do peleador Andrés: a campanha do rio Uruguai contra a invasão luso-brasileira.
Quando suas forças cruzam o Uruguai e atacam o furriel Atanásio José Lopes, no acampamento da barra do Cambai, em Itaqui, em 1816; a campanha de Corrientes em defesa do federalismo (1818-1819), e a segunda campanha do rio Uruguai contra novamente os luso-brasileiros, em 1819, que culminou na sua captura e posterior envio para a prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Nessa cidade, possivelmente teria falecido. Sua história chega até esse ponto.
Destacou-se por defender seu povo e provocar a liberdade de todos os cativos guaranis nas mãos dos colonizadores.
Guacurari era um líder diferenciado no agir. Quando decidia invadir um povo, após os preparativos, realizava um curioso ritual. Apeava do cavalo uma légua antes e entrava a pé, no meio de suas tropas enfeitadas por bandeiras artiguistas. Isso humilhava os derrotados e o engrandecia.
O mesmo comandante, defensor de seus irmãos de raça e enérgico para com os inimigos portugueses.
O mesmo Guacurari, que num momento se afogueava de amores com a índia guarani Melchora Caburu, noutro momento lhe dava uma “sova de pau” porque a fogosa nativa gostava de dançar nos bailes sem a sua companhia. Coisas da história. Coisas de Andresito, uma espécie de Sepé melhorado. E essa “figura” andou por aqui!

(texto de nossa obra AGENDA 150. Um passeio pelos carrilhões do tempo pretérito itaquiense, Novigraf Gráfica e Editora, Itaqui, RS, 2008.)

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Povo do Carmen.



POVO DO CARMEM


Os remanescentes do povo missioneiro em Itaqui – 1848.


Prof.º Paulo Santos


   Poucos sabem que em 1848 havia o Povo do Carmem, com aproximadamente 800 índios oriundos da redução de Itapuã, no Paraguai. Este povo estava localizado em Tuparaí e era uma espécie de colônia dos jesuítas onde plantavam, além de explorar a confecção de cerâmica. Inicialmente, as informações remetem para Itaqui, porém uma análise mais cuidadosa orienta para não veracidade das mesmas.


    Até porque não se tem hoje em dia nenhuma noção do local de tal povoado. Pesquisas arqueológicas podem um dia resgatar tal sítio, servindo, assim, de atrativo turístico para o município. Fica, por outro lado, notório que o distrito de Tuparaí era local bem antigo, talvez pertencente ao período missioneiro.


   Talvez fosse uma capela, um posto ou estância. Os campos pertencentes aos povos missioneiros tinham grandes extensões territoriais, havendo a necessidade de serem divididos em estâncias e estas em postos, em torno dos quais eram erguidas pequenas capelas. A vinda desse contingente de índios paraguaios ocorre num período posterior ao império jesuítico. É um mistério esse êxodo dos guaranis de Itapuã para Tuparaí. Verdadeiramente, um mistério! Há um arrazoado por parte do autor, mas por que aqui no território do Rincão da Cruz, agora já como freguesia de São Borja.


   Para fundamentar a transmigração dos guaranis de Itapuã para Itaqui cito o texto do cônego João Pedro Gay:


   “(...) Como durante a ditadura de Francia, Itapuã e Nhiembucu eram os únicos pontos abertos ao comércio estrangeiro, Itapuã fazia um comércio sofrível com São Borja, e se tinha tornado bastante florescente, mas em conseqüência da interrupção quase completa do seu comércio de trânsito com a vila brasileira desde a abertura do rio Paraguai, Itapuã tem ficado um povo pobre e sem recursos. Todavia, como a estes últimos anos tem-se povoado de novo o território do departamento de S. Tomé entre Uruguai e Paraná, parece que os habitantes da vila da Encarnación, principiam de novo a exportar alguns produtos, especialmente tabaco para São Tomé, mas são tão diminutas estas exportações que não remediam as necessidades dos seus habitantes. Os habitantes de Itapuã são unicamente brancos e mestiços. Em 1848 os guaranis que habitavam no povo de Itapuã foram transferidos ao povinho do Carmen que se formou unicamente para eles a sete léguas de Itaqui sobre a estrada que vai à capital e que era uma capela dos jesuítas chamada Tuparaú, que quer dizer filho de Deus.


   O Carmen é uma espécie de grande fazenda administrada como as estâncias de Missões. Nele somente é bem edificado o alojamento do mordomo. As outras casas são ranchos miseráveis. No meio da praça há uma capelinha que se trata de substituir por uma igreja mais própria. O terreno assinalado para estes índios é fértil, e seu clima salubre, mas suas chácaras e seus ranchos são mal atendidos e todos parecem estar muito pobres; mas apesar disso, eles não parecem sentir o ter saído de Itapuã. Há no Carmen excelente terra pra louça que alimenta uma pequena indústria de talhas, jarros, pratos, fogareiros, etc. Ai fabricam também tijolos e telhas de excelente qualidade; o que não deixa de ser útil aos índios. O número de habitantes do dito povinho do Carmen e da vila da Encarnación é de oitocentas almas. (ortografia atualizada. Texto coligido da obra História da Republica Jesuítica do Paraguay. Desde o descobrimento do Rio da Prata até nossos dias, anno de 1861.(Pelo Conego João Pedro Gay, vigario de S. Borja nas Missões Brasileiras. Publicada por deliberação do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro. Rio de Janeiro. Tipografia de Domingos Luiz dos Santos, Rua do Ouvidor, n.º 20, 1863. páginas 294-295).


   Por que este povo veio para cá? Tão Longe do seu lugar de origem? Por que aqui – Itaqui? Há no Paraguai um lugar chamado Itapuã, com uma capela, cujo patrono seria a escultura de um "deus menina", chamado "tupã ray'. O nome Itaqui existi\a em outros lugares do cenário missioneiro.


   Este seria um dos motivos pelos quais poderíamos elencar Itaqui como um remanescente da civilização jesuítico-guarani. Creio que alguns documentos jazem por serem descobertos. Tenho convicção de que nesta área devia existir um povo jesuítico com tal denominação. A mesma que aparece num documento de oficiais espanhóis em 1759. Nesse documento aparecia “Pueblo jesuítico de Itaquy”. Então!?!? Porém, o Povo do Carmen não seria de Tuparaí, em Itaqui.




domingo, 20 de agosto de 2017

Agenda 150


AGENDA 150

     Nossa obra, editada em 2008, pela Novigraf Gráfica e Editora, Itaqui, RS, com apoio da Secretaria Municipal de Educação.

     AGENDA 150. UM PASSEIO PELOS CARRILHÕES DO TEMPO PRETÉRITO ITAQUIENSE, lançada para homenagear os 150 anos de emancipação política do município.

     108 páginas, contendo crônicas, relatos, cronologias, biografias e ensaios de genealogia da gente e das coisas do Rincão da Cruz, outrora chamado o nosso Itaqui de hoje.

     Traz um pouco de nossa raiz missioneira, a ocupação do espaço, as estâncias, os fatos curiosos e históricos, os prédios, as reminiscências e algumas pitadas pitorescas do passado.

   Esta obra, temos para envio, fazendo contato pelo email: paulo-itaqui57@hotmail.com, que enviaremos com o maior prazer.

     Além dessa, temos outra, editada em parceria com Antonio Confortin e Lourenço Vargas, Itaqui O Portal do Tradicionalismo, editada em 2011 pela empresa Josapar em comemoração à Cavalgada do sesquicentenário.

Capa da obra editada em 2008, disponível para venda
Encomenda pelo email: paulo-itaqui57@hotmail.com

sábado, 19 de agosto de 2017

Fragmentos curiosos e inusitados da vida privada itaquiense


Fragmentos curiosos e inusitados da vida privada itaquiense


O imponderável e o absurdo lado a lado
São crianças como essas que estavam na frente da casa do padre José Coriolano de Sousa Passos que foram o alvo da ira de tão preocupado cidadão (foto antiga de Itaqui-1908)


Prof.º Paulo Santos


     Há tempo atrás, encontramos uma cópia do jornal O Pharol, de 23 de agosto de 1903, publicado em Itaqui, sob a coordenação do editor-gerente José dos Santos Loureiro. Pois bem! Essa preciosidade tem mais de século de existência trazendo as peculiaridades do momento. É claro que estava atrelada à política, tanto que no frontispício aparecia mensagem ufanista: Pela Pátria.Pela República. Definia-se como jornal literário, comercial e noticioso. Ano VI, N.º 234. Edição simples, apenas tipos, sem uma única ilustração, desenho ou foto.

     O que atraiu minha atenção foi a seguinte notícia, com transcrição integral:

     “VICIO FUNESTO. Com a epigraphe A gurisada, escrevemos no numero passado (...)pedindo a intervenção de quem compete para fazer cessar o abuso das perniciosas jogatinas dessa recua immensa de meninos vagabundos que, com seu prejuiso próprio e o sés Paes e patrões, abolentam-se nas esquinas, nos sítios vasios e muitas vezes no meio das ruas a jogar bolinhas, carretéis, bate-fino, figuras e agora, ultimamente introdoziram o jogo de botões. E o desaforo vai ao ponto de irem muitos destes futuros casos de POLICIA a casas commerciaes pedirem amostras do ultimo artigo aqui referido, em nome de seus paes ou patrões e não devolverem taes amostras. É o cumulo do banditismo. Por segunda vez reclamamos enérgicas providencias á policia, no sentido de cohibir tão prejudicial costume da maior parte da infância desta terra. Ella, a policia, é competente, para, de qualquer forma cercear o escandalo pela raiz. Temos certesa que a população toda a aplaudirá.”

Meu Deus do céu, que absurdo! Que exagero!

É claro que precisamos examinar à luz daquele tempo, sob a ótica da educação dos primeiros anos da República. Mas, parece algo descabido.

     O distinto redator queixa-se das brincadeiras dos meninos: como jogar bolita, pião, o bafa, jogo de botões, práticas que muita criança ainda exercita. Piaget, Vigotsky, Freinet, Emília Ferrero se vivos estivessem, com certeza, estariam horrorizados com tamanho disparate.

     Interessante os termos usados pelo jornalista: “perniciosas jogatinas”. Como se aquelas inocentes brincadeiras tivessem essa conotação. Usa ainda “récua imensa de meninos vagabundos”. Récua é um coletivo para bandidos e vagabundos é pejorativo demais para crianças que estariam na idade de brincar. Indignado, completa: “é o cumulo do banditismo”. Pobre gurizada! Imagina se o mesmo estivesse falando de adultos!

     No final pede enérgicas providências da polícia. O que seriam essas enérgicas providências? Prender os guris? Surrá-los? Confiscar seus brinquedos?

     Pois o passado nos reserva cada surpresa. Como eram diferentes os tempos. E se pedíssemos para nossa gloriosa Brigada Militar prender a gurizada que gosta de skate, de patins, roler, de bicicros, de videogame e outras modernidades?

     Imaginemos o caríssimo autor do texto teletransportado para nossa realidade vendo garotas e garotos parodiando versões de Despacito? Dançando e rebolando com antológica música da “metralhadora”? Ou horrorizando-se quando criancinhas dançam aquela magistral letra: “ela é terrorista!”.
     Se nosso distinto colunista visse as crianças de dois aninhos manipulando tablets, celulares android, notebooks? Ficaria escandalizado. Tudo isso para ele pareceria uma sandice.

     O imponderável se faz presente nesse jornal O PHAROL.

     Noutra sessão, ao lado dessa inditosa notícia tem outra que não se coaduna com o excesso de rigor com as brincadeiras daqueles garotos itaquienses. Pois na coluna Varias, aparece a colossal notícia:

    “Hoje realisa-se no Hotel Nacional, importantes rinhas de gallos.”

     Por favor, paremos por aqui!








História da Santa Maria Madaglena no Itaó

HISTÓRIA DA SANTA MARIA MADAGLENA 

Uma evidência missioneira no centenário Itaó/Itaqui/RS?

Prof.º Paulo Santos




    Primeiramente, cabe relacionar alguns dados sobre a família a qual estava vinculado este evento. No caso específico: Maximiano Teixeira Coelho nasceu na Estância Velha de Itaó, no dia 20 de maio de 1844. Filho de Antonio Teixeira Coelho, juiz municipal interino da Vila de São Borja, no ano de 1835.

    Antonio Teixeira Coelho e sua esposa, Leocádia Antonia de Araújo Coelho, proprietários da Estância Velha do Itaó, com 3 léguas de sesmarias (150 quadras de sesmaria), tiveram 10 filhos.

    Maximiano Teixeira Coelho foi para a Guerra do Paraguai com 21 anos, e junto foi seu irmão, Francisco Mamedes Teixeira, em 1865. Francisco não retornou. Em um violento combate, o inimigo paraguaio, com uma espada amputou-lhe o braço esquerdo. Embarcado no navio de inválidos, mar à fora, foi levado e jamais a família soube notícias dele.

    Maximiano Teixeira Coelho destacou-se na Guerra do Paraguai por coragem e bravura junto aos comandados. À frente das tropas, enfrentava os violentos bombardeios dos navios inimigos. Com coragem e altivez defendia nosso chão. Durante os longos combates que travaram com os inimigos paraguaios, somente uma bala atingiu a aba do seu chapéu. Homem de bondade ímpar, para com todos tinha uma palavra de ânimo, de incentivo. Ajudava a todos que dele precisassem.

    Observação: Ele relato está na íntegra fiel à autora da fonte, uma descendente do mesmo.

No ano de 1876 foi Inspetor Interino do 1.º Quarteirão do 2.º Distrito de Itaqui. Há cópia, no Arquivo da Prefeitura Municipal, da Carta Patente de Maximiano Teixeira Coelho em que ele foi nomeado Tenente da 3.ª Companhia do Corpo de Cavalaria N.º 53, pelo presidente da Província, Dr.º Henrique da Silva, em 25 de agosto de 1880, da Guarda Nacional do Serviço Ativo da comarca de Itaqui, a qual foi assinada pelo comandante superior interino da Guarda Nacional, Coronel João Clemente Godinho.

    Fazia 9 anos que Maximiano havia chegado da Guerra do Paraguai e estava com 35 anos, quando casou no dia 19 de setembro de 1879, com Luciana Francisca Marques, filha de Antonio Maria Marques e de dona Rogéria Marques da Silva, sendo estes moradores e proprietários da sesmaria do Espinilho, no 3.º Distrito de Itaqui.

    Luciana e Maximiano faziam nove anos de casados e não tinham filhos, mas Maximiano era devoto de Santa Maria Madaglena e fez uma promessa: se Luciana ficasse grávida mandaria os jesuítas esculpirem em madeira uma imagem em porte médio e levaria para a Estância Velha de Itaó.

    A promessa foi atendida no dia 28 de junho de 1889, quando nasceu um casal de gêmeos, que se chamariam Litre Teixeira Coelho e Antonia Teixeira Coelho.

    No ano de 1918 ocorreu uma fatalidade na família de Maximiano. Seu filho, Litre Teixeira Coelho, com 28 anos de idade, perdeu a vida no dia 10 de maio. Quando campeirava, foi acometido de uma hemorragia cerebral, e o cavalo que montava o trouxe de volta, sem vida, para a Estância Velha de Itaó. Com a morte do filho, Maximiano caiu em profunda tristeza, vindo a falecer a 7 meses e 19 dias depois que o filho tinha falecido, quando estava com 74 anos de idade, no dia 27 de dezembro de 1918. (Relato recolhido por sua descendente, bisneta, Vera Mainardi, irmã da recentemente falecida, prof.ª Zulma Teixeira Mendes)

    Em 6 de março de 1893 foi criado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, o Corpo Provisório N.º 17, composto de 4 companhias, sendo cada uma com um capitão, um tenente e dois alferes. Foi nomeado pelo governo do Estado, em pleno fervor da Revolução Federalista, a “Revolta da Degola”, como comandante deste Corpo Provisório, o Tenente-Coronel Maximiano Teixeira Coelho.

    No Livro de Matrícula do Serviço Ativo da Guarda Nacional de Itaqui, do ano de 1869, aparecem as matrículas de: N.º 570, Marcelo Teixeira Coelho, 30 anos, nascido em 1839, solteiro; N.º 571, Maximiano Teixeira Coelho, 28 anos, nascido em 1841, solteiro; N.º 647, Marcelino Teixeira Coelho, 34 anos, nascido em 1835, solteiro, todos em serviço no Paraguai. Com certeza, eram filhos de Antonio Teixeira Coelho e Leocádia Antonia de Araújo Coelho.

    Dia 10 de junho de 2011, junto com a secretária de Educação da época, mais equipe da Supervisão da SME, visitei a capela de Itaó, tomando contato com a imagem da Santa denominada de Santa Maria Madaglena. Observei que sua pintura externa está descaracterizada, fora dos padrões de composição estética das obras jesuíticas. Precisaria ser totalmente restaurada para poder ser restituída sua autenticidade. Entretanto, pelo que pude observar, parece que tem todos os traços e peculiaridades das obras missioneiras. Não tenho convicção plena, mas parece.

Com uma fita métrica, fiz a medição da estátua, que é esculpida numa madeira de qualidade extremada, pois não se observa nenhum dano por cupim ou outros invasores, nem partes apodrecidas. A professora Ieda, cuja mãe é uma das responsáveis pela preservação e guarda desta imagem ao longo das gerações da família, disse-nos que no restauro foi enxertada uma parte da mão e dedos mutilados, bem como a parte traseira, que teria sido profanada por ladrões, talvez em busca de compartimentos onde pudessem encontrar alguma jóia ou moedas de ouro. Observei que de altura, a santa tem 1,28 m.

    Professora Ieda relatou que a imagem, em determinado período fora roubada, sendo recuperada pela Polícia e entregue a mãe desta, sr.ª Therezinha Delaci Teixeira da Silva, em 19 de julho de 1991, pelo delegado Celso Silva Silveira e escrivão, Felipe Gonzalez da Silva, conforme consta em documento guardado pela mesma, assim como fotos da entrega onde aparece a santa com as cores originais. A família doou a santa para a capela.

    A tradição oral reza que a santa é milagrosa. Muitos mistérios a cercam. Há relatos de que sob o altar, no local onde primitivamente estava, na sede da Estância Velha do Itaó, foi feita uma escavação visando encontrar algum tesouro. Comentam que alguém teria encontrado o misterioso tesouro.

    Acho muito temerário ter esta imagem, que parece mesmo ser missioneira, naquele local, pois é grande o assédio de colecionadores a esse tipo de obra, sendo muito comum roubos dessa espécie para posterior venda no mercado negro de artes.

    O valor dessa imagem historicamente é muito grande, tanto para provar que Itaqui estava efetivamente ligado ao universo missioneiro, assim como resgata a história de uma família e de seu lugar. Ela deveria estar num lugar mais seguro, devidamente identificada, e estar disponível para visitação pública e de estudiosos, pois sua história é riquíssima.

    Creio ser oportunas algumas considerações sobre os relatos aqui expostos:

    v A imagem parece ser missioneira sim, entretanto o relato tem algumas falhas, por exemplo:

    v Maximiano podia ser devoto de Santa Madaglena, porém pedir para os jesuítas esculpirem-na parece improvável, pois a Companhia de Jesus, de Santo Ignácio de Loyola, foi prescrita da América a partir de 1768;

    v Quando Maximiano casou em 1879, não havia mais os jesuítas em Itaqui;

    v O que poderia acontecer, e era comum, seria a compra ou doação de alguma obra missioneira do tempo dos Sete Povos Missioneiros e das reduções do lado argentino, como La Cruz, Yapeju ou outras;

    v É provável que Maximiano tenha conseguido essa imagem de alguma capela jesuítica espalhada pela nossa região, pois a produção estatutária missioneira foi bastante expressiva;

    v Assim, essa escultura devia ser anterior a 1760, pois a partir dessa data não mais confeccionaram obras com esse formato, pois as reduções tiveram outros administradores mudando também as ordens religiosas que as coordenavam;

    v Eu acredito que a imagem em questão tem os traços das obras missioneiras, devendo ter mais de 250 anos de existência, porém ainda tenho algumas reservas como alguns traços que não são característicos da estatuária missioneira-guarani;

    v Deve ter sofrido ao longo dos anos algumas alterações, principalmente na pintura;

    v Com relação à escavação no local onde estava instalada se deve por desconhecimento: nenhuma obra jesuítica tinha em seu interior ou entorno qualquer relação com tesouros;

    v Se alguém encontrou algum tesouro, isso fica por conta do imaginário coletivo e da crendice das pessoas;

    v Por outro lado, respeito o relato da família. Como me debruço exaustivamente a estudar esse assunto, alguma coisa aprendi.












sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira




Dr.º HEMETÉRIO JOSÉ VELLOSO DA SILVEIRA


Uma sumidade em potencial: juiz, advogado, cronista, tribuno e peleador!


Prof.º Paulo Corrêa dos Santos


     Itaqui, fronteira, “garrão do continente”, “portal do Rio Grande” pode ufanar-se de conviver no seu passado histórico com uma personalidade rica, singular e de múltiplas atuações – Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira.


     Nos primórdios da formação e estruturação legal do município, enquanto freguesia do outrora sentimental povo jesuítico de São Borja, então cidade, o juiz Hemetério foi designado para esta fronteira, vindo de Pernambuco, permutando com outro juiz daquela província (também do seu círculo familiar) aqui nomeado. Corria o ano de 1855.


     Veio da cidade de Garanhus, segundo algumas fontes, ou de Pau de Alho, segundo outras, Pernambuco, onde era promotor, nomeado para São Borja, porque havia indícios de que sua vida corria perigo. A imprensa pernambucana de então noticiava que o magistrado tinha sua existência ameaçada por autorizar prisões de pessoas da elite local por estarem envolvidas em tráfico de escravos da Europa, via oceano, prática proibida. Sua morte estava encomendada, diziam!


     Às vezes, pesquisadores provocam confusões na busca de dados a essa figura histórica já que seu pai tinha o mesmo nome: Coronel Hemetério José Velloso da Silveira, casado com Anna Joaquina da Silveira, naturais do Recife, PE. Em seu estado natal, Hemetério era nomeado como Júnior.


     A história daquela província nordestina teve muito de participação dos ascendentes de Hemetério. Seu pai foi um líder municipal, militar, atuando diretamente junto às forças do governo da província. Seus tios, ora liberais ora conservadores, tiveram destacada atuação nos principais movimentos histórico-políticos, nos períodos de 1808 a 1865, desde as crises do início da monarquia brasileira à Guerra do Paraguai. Um primo seu, Capitão Pedro Ivo Velloso da Silveira, é considerado um dos principais heróis pernambucanos, comparado ao nosso Bento Gonçalves, em situações similares. Pedro Ivo foi um dos líderes da Revolução Praieira, em 1848.


      O Dr.º Hemetério Velloso da Silveira, enquanto juiz de São Borja, viu-se envolvido num conflito assaz curioso e inusitado. Como Itaqui, freguesia daquele povo, dependia desse juiz para as tramitações oficiais, ocorreu, então, um desentendimento entre ele e o Cônego, Venerável Maçom, João Pedro Gay. 


      *Imagem do blogger Imagens Missioneiras


      Hemetério percebeu que Itaqui arrecadava quase o dobro em imposto do que o município-mãe, devido ao intenso comércio fluvial, principalmente por ser o principal porto de exportação de erva mate vinda do planalto gaúcho, sugeriu aos habitantes que solicitassem a emancipação do povoado.


     Isso aconteceu. O padre francês, outra sumidade, não aceitou passivamente tal atitude e travou com o douto juiz uma séria altercação. Os relatos sobre o incidente dão conta de que “a coisa foi braba”! Duas personalidades fortes em ebulição. Fogo contra fogo! Gay cobrou de Hemetério e, este, impulsivo e diligente, teria, no fervor da discussão, batido com um chicote de mão no rosto do sacerdote. “Pra quê”!


     O reverendo queixa-se ao bispo da província. Prontamente! Uma Provisão, vinda de Porto Alegre, com data de 5 de julho de 1857, excomunga o juiz da Igreja Católica. Isso era uma punição das mais drásticas. Coisa séria!


     Ato seguinte, por indicação das autoridades superiores, ou por opção sua, Hemetério foi transferido de comarca. Desiludido, abandonou a magistratura, enveredando para a advocacia (pelo que se sabe, advogado dos bons!). Foi, então, encaminhado para Cruz Alta no ano de 1857, logo após o conflito.


     Ali, advogou e envolveu-se na vida pública e social do município, chegando, inclusive, a ser vereador e presidente da câmara.


     Gênio intempestivo, Hemetério não conseguia conviver com a calmaria. Os condores não se dão bem nas pradarias!


     Em Cruz Alta bateu de frente com o poderoso caudilho, Coronel Pinheiro Machado, umas das fortes lideranças políticas da província.


     A bibliografia consultada informa ainda que Hemetério “topou parada” até com o lendário Osório, Marquês do Herval. Conviveu na assembleia provincial com o famoso tribuno Silveira Martins, embora se respeitassem, o chefe federalista teve alguns retruques do deputado pernambucano. Tino aguçado, inteligência privilegiada, gênio explosivo, não “levava ninguém para compadre”!


    Saído de Cruz Alta, foi ser deputado provincial, em Porto Alegre, atuando na assembleia legislativa por dois mandatos, fazendo até parte da mesa diretora dos trabalhos.


      Uma das obras mais representativas da historiografia rio-grandense é sua: As Missões Orientais e seus Antigos Domínios, editada em 1910, com uma documentação extraordinária sobre essas comunidades. Há, inclusive, capítulo inteiro sobre Itaqui.


     Parece que nem aqui, mesmo após sua saída, era reconhecido. Quando veio, um ano antes da publicação, colher informações sobre a cidade, quase ninguém quis cedê-las. Por quê? Líderes políticos, caciques da vila, não o aceitavam muito. Um coronel, descendente do famoso Antonio Fernandes Lima, em 1888, trava com ele sérias contendas, a ponto de se odiarem.


     Por outro lado, sua inteligência e erudição eram tantas e admiradas que era convidado para tudo. Participou da criação da Academia e Faculdade de Direito do Rio Grande do Sul e estava entre os primeiros da Academia de Letras Rio-grandense.


     Era maçom, sendo considerado uma das mais altas autoridades desta ordem, chegando a criar e reorganizar algumas lojas no país.


   Como advogado, defendeu causas polêmicas, sendo sempre incisivo e se insurgindo contra interesses escusos. Um deles, por exemplo, era a reivindicação de fazendeiros e proprietários em geral de Itaqui, solicitando indenização frente aos alegados roubos e destruição das propriedades pelo exército paraguaio em 1865.

     Hemetério indigna-se frente a isso, vociferando, de forma tenaz, contra esses pleiteantes, alegando que alguns solicitavam indenizações de gado roubado quando sequer o exército invasor entrara naquela propriedade ou cercanias. Da mesma forma, insinua haver má fé dos que pediam tal ressarcimento, quando na verdade não possuíam o número de animais que alegavam terem perdido. Essa alegação é de 1873. Ele não estava mais aqui. A forma como reage à solicitação parece ter uma conotação de crítica a alguns líderes militares e políticos do lugar que ajudara emancipar, mas que fora execrado e esquecido.


     Sabe-se que teve uma família numerosa. Segundo informações próprias, seus filhos no Rio Grande totalizariam 19, com duas esposas: Manoela Baptista da Silveira, falecida em 1874, e Etelvina da Silveira Torres, esta em 1908. Acredita-se que possa existir uma enorme descendência espalhada pelo país. Não se observam estudos específicos sobre isso. Conseguimos formatar a genealogia desse doutor, pelo lado paterno, com muitos dados.


     Em 1893 foi para Recife acompanhar o findar da vida de seu pai, falecido neste ano. Por lá ficou algum tempo, advogando e exercitando a atividade de líder maçônico.


     Nasceu em 1824, no Recife, e faleceu com 89 anos e 9 meses, no Rio de Janeiro, em 1913. É considerado uma das mais fecundas inteligências de seu tempo, dando-nos o privilégio de ter passado, com proeminência, por nossas densas sesmarias missioneiras e feito história. 


     Odiado por uns, idolatrado por outros, o importante é que fez história.

 
     Em Itaqui que homenagem tem a ele? Ora, o nome de um trecho no acesso de saída da cidade, que ninguém conhece. É pouco? Não se sabe. Em Cruz Alta tem nome de rua e parece que em Porto Alegre também. Nada disso descarta sua intensa e profícua atividade como homem público – um dos mais representativos num dos períodos mais efervescentes de nossa história.




O Minhocão de Itaqui

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