quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Um duelo às cegas no alvorecer do Sec. XIX no Itaqui Grande do Sul!


Um duelo às cegas no alvorecer do Século XIX no Itaqui Grande do Sul

Prof.º Paulo Santos

No distante ano de 1902, primórdios do Século XIX, transcorria modorrenta e insípida a vida costeira neste rincão. Algumas matronas espreitavam nas janelas a espiar um garboso trote de algum gaúcho que cruzava as poeirentas vias do Itaqui.
Silêncios tantos. A existência grassava a passos de lesma. Muita calmaria no pacato vilarejo ribeirinho.
E na costa do “rio dos caracóis”, a outrora reluzente Flotilha do Alto Uruguai.
Era visível a constatação de que só restavam barcos velhos, encouraçados, canhoneiras, que se achavam em serviço desde a Guerra do Paraguai.
Frontaria da antiga oficina da Flotilha, de autoria do artista itaquiense Gracco Bonetti

Oito anos atrás, a Canhoneira Vidal de Negreiros e a Escuna América tinham sofrido forte tiroteio por parte dos revolucionários federalistas. Os mesmos, emboscados, no mato, mandaram “bala e bala” nas naves da Flotilha. Coisa feia! Fizeram vários furos na blindagem das mesmas, chegando a ultrapassar uma grossa chapa de ferro. Inclusive, teve marinheiros feridos. A tripulação destes barcos revidou com metralha e canhões.Tempos negros da Revolução Federalista, a da degola!
As críticas a esse arsenal de Marinha, em nossa fronteira, eram contundentes. Notícias vindas dos jornais do centro do país davam conta da pressão política para extinção da unidade. Apregoavam que os marinheiros vinham para passear e fazer bons casamentos. Que o ostracismo da vida fronteiriça rio-grandense era exacerbado.
Que a Flotilha não tinha naves de guerra nem pessoal habilitado para fazer frente a nenhum ataque estrangeiro. Que a maior parte do tempo, as canhoneiras, encouraçados, barcaças e outros embarcações ficavam encalhados na margem do Uruguai, na boca ou na bacia do arroio Cambaí. Por serem de grande calado, não reuniam condições de navegar em todo curso do rio Uruguai, somente sendo possível nas grandes cheias, quando os saltos, ao longo do rio, ficavam abaixo da correnteza, dando passagem às embarcações.
O Capitão-Tenente João Paraguassu era secretário e ajudante de ordens da Flotilha do Alto Uruguai, em 1902. Em matéria do Jornal Correio da manhã, RJ, edição 15906, de 10/09/1946, à página 15, ele relembra um episódio assaz curioso e inusitado na Flotilha: um duelo nos confins do mundo – Itaqui, 1902.
Num misto de culpa e cumplicidade, o ex-secretário detalha as nuances do duelo.
Anos 1900 – estranho haver duelo!
Um marinheiro, jovem ainda, namorador ao extremo e ciumento, na mesma proporção, andava de amores com uma moça da zona do Serro. Parte alta da cidade de Itaqui, zona da pedra, talvez não a pedra grês, a pedra “Itaqui”.
Relação sinuosa, viviam de entreveros, separações, brigas e ciúmes.
Numa feita, soube da amada com outro num baile. A coisa encrespou! Os fios do bigode eram os guardiões da honra e da masculinidade impoluta. Dedos em riste. Desacatos e uma certeza – duelo marcado! 
Sem “mimimi”, ali se resolvia na ponta da adaga....ou da espada!
A honra era fundamento inconteste.
O marinheiro requisitante pede a intercessão do Capitão-Tenente. Este, meio a contragosto, aceita.
Marcam o dia e a hora. Cada um lustrou a espada.
Mediram a distância. 
O oficial faz uma contagem simbólica, bate palmas e ordena o combate.
Imaginemo-la, uma cena aos moldes medievais, digna de combates épicos.
Que nada!
Os contendores eram valentes, mas pouco entendiam de esgrima. 
Parecia um duelo de cegos, porque batiam a torto e a direito. Um acertou o rim do outro, que revidou com um golpe no nariz do mesmo, quase decepando-o.
Nesse ponto, acudiu o médico da Flotilha e o duelo deu-se por encerrado.
Honra desagravada? Não se sabe.
Talvez a moçoila seguisse de baile em baile longe do galego marinheiro. São flashes do passado, inusitados à luz de nosso tempo, mas consistentes em suas razões. Afinal – o passado sempre imita a passado.
Quatro anos mais tarde,a Flotilha é extinta. Hoje, contemporâneos cidadãos visitam aquele sítio, sem o mesmo garbo, sem a mesma luzidia, sem a flegma aristocrática da monarquia, sem os românticos tons do passado glorioso.
postal por volta de 1908-1910, quando as instalações eram ocupadas pelo Exército


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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A Revolução Farroupilha e seus respingos no Rincão da Cruz - Itaqui!


A Revolução Farroupilha e seus respingos no Rincão da Cruz – Itaqui
Prof.º Paulo Santos

No dia 20 de setembro comemora-se o aniversário da Revolução Farroupilha. Evento endeusado por muitos e visto com reservas por outros, configura-se, entretanto, como um dos mais representativos da história brasileira. Revolucionários comandados por Bento Gonçalves e elementos majoritários das camadas mais abastadas da sociedade rio-grandense desafiam o governo central, questionando direitos e uma possível independência.
Combates sucederam-se ao longo de quase 10 anos. Alguns relevantes, outros, nem tanto.
E Itaqui – foi palco de embates farrapo-monárquicos?
Vasculhando a literatura histórica sobre o tema, vamos encontrar poucos registros significativos. Porém, no território itaquiense ocorreram alguns encontros bélicos – de pouca monta, mas importantes no contexto das posições em luta.
Imagem (pesquisa google)
General Bento Gonçalves da Silva

De 29 a 30 de novembro de 1837, por exemplo, aconteceu um pequeno combate no Passo do Mariano Pinto, rio Ibicuí, ficando em torno de 40 combatentes farrapos mortos e mais de 40 legalistas feridos. Nesse período, Itaqui experimentava um acelerado desenvolvimento econômico, sendo, inclusive, elevada à cabeceira de paróquia, com a designação de freguesia por transformar-se no empório da erva-mate nesta fronteira.
Importante destacar que entre 1836 a 1840, no fervor da revolução, a pólvora fabricada por Montevidéu, Uruguai, passava pelo porto de Itaqui, provavelmente municiando farrapos e monárquicos e outras políticas de natureza bélica num período de bastante oscilação entre as fronteiras.
Imagem (pesquisa google)
General Bento Manoel Ribeiro

           Em 20 de janeiro de 1840 tem-se a notícia de que 200 arrobas de erva-mate eram remetidas, via porto de Itaqui, ao General Bento Manuel, que neste período estava retornando para os revolucionários de Bento Gonçalves. No mínimo, estranho este envio de tão vultuosa quantia a um comandante das forças opositoras ao regime instalado.
Já em 8 de abril de 1840, em plena revolução, tem-se a notícia do roubo de uma caixa de prata das Missões. Caixa esta que teria passado por Itaqui antes de ser destinada a Porto Alegre.
Dia 17 de janeiro de 1841, combate no Rincão da Cruz, (nome pelo qual era conhecido o vasto território de Itaqui), em que o Coronel Jacinto Guedes da Luz vence as forças do Tenente Coronel José dos Santos Loureiro, ficando aprisionados em torno de 100 soldados e seu comandante.
10 de setembro de 1843, forças farrapas atravessam o Passo do Mariano Pinto, no rio Ibicuí, com 300 infantes e 600 cavaleiros. Neste mesmo período, o Coronel Jacinto Guedes da Luz encontrava-se com a 2.ª divisão de Bento Manuel Ribeiro.
Observa-se o constante movimento de tropas nesta região, constituindo-se como movimentos de manobras, perseguições de ambas as forças.
Em 27 de outubro de 1843 descobriu-se que havia um plano dos rebeldes farrapos de invadir e saquear São Borja e Itaqui. Talvez fossem ilações legalistas visto que não estava nos propósitos dos revolucionários o saque das povoações.
26 de dezembro de 1843, combate de Santa Rosa, próximo ao rio Butuí, onde o Coronel Demétrio Ribeiro e o major Antônio Fernandes Lima vencem uma coluna de 500 farrapos, comandada por João Antônio da Silveira e Onofre Pires. Os farroupilhas tiveram 100 feridos e 35 prisioneiros. Este local fica distante de Itaqui, contudo, no teatro de guerra vizinho a esta vila. Entre os monarquistas estava Antônio Fernandes Lima, futuro Coronel, uma das mais representativas lideranças político-militares da história itaquiense.
24 de fevereiro de 1845, uma coluna de republicanos atravessa o rio Uruguai, via Itaqui, em direção a Alvear, Argentina. Já no final de fevereiro e início de março do mesmo ano, os dois Bentos cruzam o rio Uruguai, sendo Bento Gonçalves perseguido por Bento Manuel e ambas as forças migrando para Alegrete.
Ainda que não fossem batalhas ou combates expressivos ou decisivos, estrategicamente, constituíram, de outra forma, em movimentos importantes e mostraram o poderio de ambas as facções nesta “ímpia e injusta guerra”.

sábado, 3 de agosto de 2019

Casilha do Porto - estabelecimento de água e sonhos!


CASILHA DO PORTO – ESTABELECIMENTO DE ÁGUA E SONHOS
Prof.º Paulo Santos

“Eu já não sei se a graça
É o rio que passa
Pra ver a casilha
Ou é o tempo que passou
E a casilha ficou
Pra ver o rio passar”.

Com essa estrofe da singularíssima canção de Rubinaldo Messina Kulmann (“Eu, a casilha e o rio”), um dos mais fecundos compositores de Itaqui, autor da melodia que considero quase que um hino da nossa identidade fronteiriça, pois com estes versos faço referência a um dos prédios mais conhecidos do nosso tempo pretérito – a Casilha do Porto.
Muito tem se tem falado, erradamente, sobre a Casilha. Certa feita, foi publicada uma reportagem sobre Itaqui, num dos jornais da capital, onde dizia que a Casilha foi uma espécie de guarita, um observatório, um fortim, tendo participação, inclusive, até na Revolução Farroupilha. Mentira ou desconhecimento histórico? Cada um que julgue como aprouver.
Visão interna das colunas, um maciço de pedras
A Casilha nunca serviu a tais fins. Ela tem “apenas” 129 anos de existência. Em 22 de janeiro de 1890, justamente às 12 horas, no Paço da Câmara Municipal, no prédio, provavelmente onde está situada a prefeitura, o senhor José Maria Garcia (parece que um imigrante uruguaio), viera propor um contrato com a Intendência Municipal, na época comandada pelo Coronel Felipe Nery de Aguiar. Esse contrato previa a construção de um estabelecimento, no Porto, com máquina hidráulica para fornecimento de água potável aos itaquienses.
Para tanto, o município concedeu um terreno no referido Porto, medindo 30 m por 60 m, tendo o contratante direito a usá-lo por no mínimo 20 anos, não podendo ser usado para nenhum outro fim. Estas instalações comportariam uma caixa de água com aparelhos, motor e encanamentos para conduzir a água encanada no centro do rio e sua posterior distribuição aos fregueses. O preço combinado não poderia exceder a 20 réis por balde de 15 litros d´água.
foto do autor 
Não se sabe em que condições a água chegaria nas edificações. Tratada de alguma forma ou apenas em retirada do meio do rio e canalizada?
Os trabalhos para a fundação do estabelecimento, que hoje se conhece como Casilha do Porto, começaram em abril de 1890, tendo término previsto até janeiro de 1893. Não se têm notícia de que a obra durou tanto tempo assim para ser construída. A base do referido prédio é portentosa, resistindo às constantes cheias do rio Uruguai. A estrutura continua a mesma, a parte superior foi restaurada, mantendo o mesmo modelo.
Dessa “hidráulica”, a água seria destinada à caixa de água, construída em ferro, localizada ao lado de um dos portões laterais do Mercado, na travessa Domingos Lacroix. Daí era transportada para algumas casas particulares, principalmente do centro da cidade. Esse, pelo que se entende, era um privilégio de poucos. Aliás, comparar o passado ao presente não é mera coincidência, embora boa parte da sociedade tem acesso aos serviços mínimos. Tal serviço durou até 1932, quando foi instalado um sistema mais moderno de abastecimento urbano de água.
Esta Casilha serve para alimentar o imaginário do Rincão da Cruz, evocar suas raízes, passear pelas reminiscências, evocar tempos românticos e suscitar um reencontro com o passado mítico e sentimental de nossa terra, com os pilares (desta mesma Casilha), entretanto, bem cravados no chão da contemporanedade.
Então, a pseudo pergunta do texto de Rubinaldo, nos remete à divagação: - será que o rio passa para ver a casilha ou a casilha ficou para ver o rio passar?

segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Castelo do Vidal!


O Castelo do Vidal!
Matizes medievais e opulências aristocráticas num povoado fronteiriço.
Prof.º Paulo Santos

Um dos mais emblemáticos prédios da história itaquiense é, sem dúvida, o Castelo (ou Castelinho) do Vidal, na rua Osvaldo Aranha esquina com a Rodrigues Lima, margeando o rio Uruguai. Popularmente, tem esta conotação!
Entretanto, a construção tem origem na Família Barbosa, quando o patriarca, Coronel Tristão Pinto Barbosa encomenda a planta deste casarão, na época denominado Chalet dos Barbosa. Em 02 de fevereiro de 1910, o arquiteto Pascual Minoggio entrega o desenho do projeto que, segundo consta nos depoimentos de familiares, fora encomendado a um arquiteto de Buenos Aires.
O material veio boa parte da Argentina, via rio Uruguai, nas barcaças que também trouxeram portas, portalados, janelas, enlouçados, vidros, azulejos e móveis. Alguns desses elementos vieram da Espanha e da França. Não se sabe bem ao certo quais dos filhos de Tristão moraram neste local. Parece que a advogada Joaquina Pinto Barbosa teria residido um tempo antes de ir para Porto Alegre, assim como Manoel Pinto Barbosa. Em 1911, com as obras concluídas, podemos ver um magnífico postal do vistoso prédio e seus moradores.
Postal de 1911, O Chalet no esplendor de sua forma
A planta previa mais de uma sala, galeria, vestíbulos, banheiros, alguns dormitórios, despensa, porão, escritório e uma peça denominada Usina (talvez fosse para instalação dos comandos da rede elétrica), além de sacadas e um arremedo de torre. Na verdade, não era um castelo, apenas uma distante imitação ao formato de um chalet.
O grande caudilho político Assis Brasil, no auge de sua campanha para o governo estadual, hospeda-se neste chalet. Com o tempo, o povo foi chamando de Castelinho, denominação que perdura até hoje, apenas com o acréscimo do novo dono: Vidal!
Em 1918, o Castelinho fora comprado pelo Major Antônio Duarte Costa Vidal, juntamente  com 73 quadras de sesmaria em campos da fazenda Santa Maria, no 1.º distrito de Itaqui, na costa do Ibicuí, e mais quatro mil reses.
O Major Antônio Duarte da Costa Vidal era filho do Capitão de Mar e Guerra, Francisco Duarte da Costa Vidal, um dos primeiros comandantes da Flotilha do Alto Uruguai (1867) e de dona Manoela Dubal Vidal. Nasceu, conforme registro do padre José Coriolano de Sousa Passos, em 14 de outubro de 1867, embora algumas fontes tragam como 1872.
foto Major Antonio Vidal. (site de genealogia Geni)

Parece que teria vivido próximo dos noventa anos. Destacou-se na Campanha de Canudos, Pernambuco, em 1897, quando as tropas governistas aniquilaram com os rebeldes de Antônio Conselheiro, um visionário líder nordestino. Euclides da Cunha, com o seu magistral “Os Sertões”, disseca, com maestria, esse movimento, tratando da luta, do espaço territorial dos nordestinos em luta e a têmpera e a identidade do povo daquele lugar. Verdade seja dita – não foi apenas o sufocamento de uma insurreição. Foi um massacre, um verdadeiro massacre! Mas os heróis estão aí para serem sacralizados e os vencidos jazem sem voz!
Com o novo proprietário, o Castelinho  passa a ser chamado de Castelo ou Chalet do Vidal.
Referente aos dados pessoais e familiares do Major, não há muito rigor e clareza, por isso evito de expô-los, embora seja pacífico afirmar que passara por três casamentos.
Por volta de 1930, abandona Itaqui, indo residir em Pelotas. Lá, adquire um terreno em 1931 e manda construir um prédio com formato de castelo. Baseado em modelos de arquitetos uruguaios, desenha a planta e entrega a um construtor. A obra teria término em 1936, conhecida como o Castelinho da Quinze, situado na confluência da rua Quinze de Novembro com a Conde de Porto Alegre.
Castelinho da Quinze, em Pelotas (disponível em pu3yka.com.br)
Tinha 8 peças, garagens, salas de jogos e dependências para empregados nos porões, uma escada cilíndrica que levava até a torre. Teria sido habitado até próximo de 1964. Encontrava-se, há muitos anos, em adiantado estado de decomposição. Hoje, sinceramente, não sabemos de sua situação.
Quando morador de Pelotas, o Major Vidal era proprietário da Vila Matilde, estabelecimento pastoril no Uruguai, da Fazenda Santana, em Alegrete e do estabelecimento Santa Maria, na costa do Ibicuí, em Itaqui.
O Castelinho da Quinze viveu dias de glória, com recepções, recitais, cantores líricos apresentavam-se para a fina flor da sociedade pelotense.
Assim como o castelo de Itaqui, o Castelinho da Quinze recebeu e abrigou grandes autoridades da política regional e federal e outras personalidades sociais importantes da época. Ali pululam histórias fantasmagóricas e ou difusas.
Segundo informações orais de Pelotas, disponíveis num endereço eletrônico, consta que houve um crime no Castelinho. Um mordomo teria sido assassinado numa banheira. O medo começava a rondar as escuras repartições do casarão abandonado.
Mistérios! Silêncios!  Culpas! Carmas! Carmas?? Não, por ora, calma! Não entremos neste terreno nebuloso pois não nos cabe competência para tal.
E o Castelo do Vidal, em Itaqui, não foge à regra. Depoimentos orais também indicam que houve morte nos seus recintos. Morte estranha, omitida, relatos velados. Conteúdos da oralidade.
Depois, o abandono. Ruínas! Escuridão!
O Castelo do Vidal hoje em ruínas (disponível em www.itaquirs.com.br)
Almas penadas começam a habitar na escuridão do prédio!
Antes, a opulência e o poderio das clãs majoritárias da oligarquia local dominando aquele flamejante edifício. Durante um tempo, famílias em situação de vulnerabilidade e excluídas socialmente habitaram precariamente o Castelo. Agora, seres metamorfoseados em imagens são os inquilinos do local.
Destruição e penumbra!
Conversando com alunos de uma escola ao lado do Castelo, alguns me confidenciaram que várias vezes viram um senhor na janela dos fundos. Também visualizaram a forma de uma mulher nas janelas da frente e na sacada.
Do Castelo Vidal não restou quase nada. Paredes colossais em ruínas, telhado desabando, o mato tomando conta do terreno.
Lembranças. Ocasos!
No contorno medieval ficaram musgos e mofos. Das arcadas da frontaria, buracos e fendas.
E o Major Vidal, quem sabe, anda pelas janelas, agora sem a vaidade e o garbo dos flegmáticos tempos, procurando algo.....quem sabe....






sexta-feira, 5 de julho de 2019

Itaqui antes da emancipação.



Itaqui antes da emancipação.

Distantes tempos do “já lá vão!”
Prof.º Paulo Santos

As referências básicas da história de Itaqui estão diretamente ligadas ao processo luso. Isto é, conhecemo-la como uma possessão portuguesa, a partir de 1801 e incorporada à jurisdição de São Borja. Antes disso, pouco se sabe deste riquíssimo território histórico-afetivo.
Em 1837 tornou-se freguesia (distrito) da secular redução missioneira, São Francisco de Borja, a primeira do segundo ciclo, passando a 6 de dezembro de 1858 à categoria de município através do gesto importante do juiz pernambucano, Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira, que propôs a emancipação.
Entretanto, Itaquy (antes com esta grafia), já era credora de uma história pregressa singular. Muitas referências existem anteriores ao processo emancipatório. Inclusive, num relatório das autoridades desta região, consta que foi montado um “tribunal” para julgar a culpabilidade, ou não, dos padres jesuítas no não-cumprimento do Tratado de Madrid, quando várias reduções se insurgiram e não quiseram entregar as possessões e migrarem para o outro lado do rio Uruguai. Dom Diogo de Salas foi designado a estabelecer um quartel em São Borja para formar novo inquérito da questão da participação dos missionários. Dessa forma, em 1759, na organização deste “tribunal”, foi “entrevistado” um índio guarani do povo de São João Batista, no “Pueblo de Itaquy”. Os jesuítas foram absolvidos.
Se houve menção a este nome é porque em algum lugar devia haver este povoado, já que o povo que administrava estas terras era a redução de Nuestra Señora de Mbororé e Acaraguá (La Cruz) no lado ocidental. Isso posto, Itaqui seria um povoado jesuítico-guarani em alguma parte do vasto rincão. E, como diriam os galegos, “já lá vão” 260 anos, embora não se encontre na bibliografia das fontes missioneiras nenhuma alusão a tal localidade. Ou poderia, quem sabe, ser algum erro de registro da autoridade que notificou, no papel, o ato.
Esta região era um patrimônio do povo de La Cruz, redução jesuítica do outro lado do Uruguai,  usada para criação de grandes rebanhos de gado, tudo organizado em postos, currais, capelas ao longo das imensas sesmarias itaquienses. Tanto que era denominado “rincão da Cruz”.
Após a retomada do território ao domínio português, em 1801, aconteceram algumas tentativas dos espanhóis em reaver tal possessão.
Em 1816, o cacique guarani Andresito Artigas invade a região de Itaqui pelo Passo de La Cruz, cruzando o rio Uruguai e entrando pela barra do Cambaí, na época este arroio era chamado de rio Itaquy. Este caudilho missioneiro aniquilou uma guarda comandada  pelo furriel Atanásio José Lopes, que teve seus comandados e parte de sua família assassinados pelos invasores na estância São João, de sua propriedade.
Nesse período, a localidade de Itaquy possuía apenas alguns ranchos organizados em torno de uma pequena casa comercial, que servia de base para o contrabando com a Argentina
E desse evento “já lá vão” 203 anos e apenas sabemos algo somente após a emancipação.
Em 1821 havia uma capela jesuítica, denominada Santa Maria, próxima ao rio Ibicuí com dois marcos de pedra com inscrições em espanhol e emblemas da Companhia de Jesus. Neste mesmo ano, forças espanholas atravessam o Ibicuí chegando até Tuparaí, também uma antiga capela jesuítica.
Ao longo do imenso rincão usado para manuseio das grandes manadas do provo cruzenho, havia pequenos postos, guardas e capelas. um pequeno rancho servia de espaço para a presença do ato religioso imposto pelo colonizador jesuíta. Eventualmente, algum padre da redução ministrava missa em alguma dessas capelas. Parece que nenhum restou para consubstanciar aquele período.
Temendo novas invasões, o comando da fronteira estabelece no mesmo ano dos eventos anteriores (1821) uma guarda sob o comando do Tenente Fabiano Pires de Almeida com 150 soldados. Formaram um acampamento próximo da barra do Cambaí. Com as constantes cheias do Uruguai, foi este acampamento transladado para o atual centro da cidade. Consta que ali estaria o embrião do futuro povoado itaquiense. Vieram famílias argentinas para o local e outros emigrados fugindo das guerras fronteiriças. E “já lá vão” 198 anos.
A partir de 1822, Itaqui começa a estabelecer um intercâmbio regular com o povo correntino de Curuzu Quatiá. Por esta rota, ingressava erva mate exportada para outros portos que margeavam o Uruguai.
Em 1828, o caudilho oriental Frutuoso Rivera invade Itaqui pelo Passo do Mariano Pinto, destruindo a guarda comandada por este capitão. E “já lá vão” 191 anos. E neste ano há informação de um destacamento naval, comandado pelo Capitão Justo Yegros, em Itaqui.
A partir de 1846, São Borja sofre um processo de decadência e todo o comércio da erva-mate  vinda do planalto rio-grandense migra para Itaqui tornando-o empório das exportações do produto. A rota, originada nos países do Prata desembocava em Itaqui, com produtos e bens de toda a sorte e pessoas de diferentes nacionalidades.
Nossa idiossincrasia formou-se desta mescla fronteiriça – um pouco de índio, português, espanhol, italianos e alemães.
Itaqui sobeja em história anterior ao termo de São Borja.
Tentamos mostrar esta faceta pouco conhecida de nosso “rincão da Cruz”, São Patrício de Itaqui, embora muito ainda esteja soterrado sob a poeira do passado.


O Minhocão de Itaqui

                        O Minhocão de Itaqui:   o limite entre o real e o imaginário ! Prof.º Paulo Santos O limite entre o real e o ima...