A lenda, ou não, do Passo do Silvestre!
Versões e fatos, datas controversas e
muito, mas muito pano para romance!
Prof.º Paulo Santos
Um
tema que atrai, sobremaneira, nossa atenção é o Passo do Silvestre – origem do
nome e o entorno simbólico que o cerca. Não são muitos os autores que tratam com
objetividade este assunto. Observa-se a presença acentuada do elemento
folclórico e o sobrenatural contrapondo-se ao rigor histórico.
Destaco
aqui dois autores que tratam do episódio do Passo do Silvestre sob a ótica da
mistura do lendário com o factual. Primeiramente, Jesus Pahim, escritor,
historiador, há muito radicado em Itaqui e uma das referências da pesquisa
histórica na região, através de sua obra Lendas
de Itaqui. Coleção Mitos e Lendas de Itaqui. 1.º Volume, composto pela
Novigraf, 2005.
Capa do livro de Jesus Pahim
O
outro, do grande autor uruguaianense, Colmar Duarte, poeta e ficcionista, um dos
grandes artífices da Califórnia da Canção Nativa, de Uruguaiana, com sua obra O Fantasma do Passo do Silvestre, editada pela
Movimento, Porto Alegre, 2016. E a qual tenho um volume autografado pelo autor,
recebido através do prof.º Milton Pinto Ribeiro.
Pahim (p.23/26) trabalha com a fundamentação da
lenda mesclando com dados históricos. Primeiramente,
atribui ao personagem principal, o nome de Facundo
Silvestre, que seria
proprietário de uma grande estância de criação de gado próxima a cinco léguas
com perto de quinze mil cabeças de gado, nas imediações do passo que levaria,
mais tarde, o seu nome, através do rio Ibicuí, divisa de Itaqui com Alegrete. Teria
cinco filhos.
O
autor enfatiza que Silvestre amealhou boa fortuna, sendo motivo de intrigas por
parte de inimigos por suas posições políticas. Nesse ponto, Jesus Pahim situa o
espaço histórico-temporal – a Revolução
de 1893, a famosa Federalista, da degola.
Cita
que neste período sua casa fora cercada por uma força castilhista, tomando
conta da estância, matando várias reses para consumo da tropa, atacando a
família de Facundo Silvestre. Os familiares teriam sido aprisionados e
fortemente amarrados. O dono da estância consegue escapar, tentando elaborar um
plano para salvar a família. Pahim, neste momento não descreve que os
familiares de Silvestre foram agredidos ou assassinados por esta força inimiga.
Seguindo
a narrativa, a revolução terminara e, somente aqui, as notícias correram no
sentido de que sua família fora degolada e os corpos deixados insepultos no
campo. A figura de Silvestre surge no imaginário popular. Alguns chefes e
inimigos castilhistas começam a morrer misteriosamente. Nos galpões surgem
prosas eivadas de mistérios – um gaúcho todo de preto, montado num cavalo negro e um revólver calibre “45”. Era o Silvestre eliminando, um a um, os matadores
de sua família.
Jesus
Pahim enfatiza que “com o passar dos anos, a tradição deu o nome de “Silvestre ao
passo daquele rio”.
Já
Colmar Duarte usa o mote do Passo do Silvestre para escrever um romance onde
mistura personagens reais, discutindo a ocupação da terra, das sesmarias, a
briga entre os agricultores serranos ávidos por comprarem ou arrendarem campos
para lavouras e os antigos estancieiros pouco convictos de abandonar a lida. Num
capítulo, “O chamado do Genaro” (p.68/73) aborda especificamente o tema.
Parece
que Colmar teve informações de algum descendente de Silvestre. O nome muda um
pouco em relação a Pahim – é Silvestre
Gomes, dono de terras entre o Ibirocaí e o Ibicuí. Silvestre, conhecedor do
lugar, e até mesmo interessado em facilitar o acesso a possíveis compradores de
suas terras, abriu picadas e fez passagens para os campos missioneiros do outro
lado do Ibicuí. Não fica muito claro, entre os dois autores, se a propriedade
de Silvestre ficava no lado itaquiense ou de Alegrete.
E
Colmar também delineia que o estancieiro era maragato, inimigo mortal dos
republicanos castilhistas. Estes, teriam atacado sua estância, na Revolução de
1893, amarrando-o junto a seus familiares, espancando e violentando a mulher e
filha moça. Ato seguinte, levaram-no até o passo para degolá-lo. Silvestre,
reage e consegue fugir dos invasores. Fica um tempo escondido e volta para
casa, encontrando ainda filha e esposa vivas, entretanto, pelos sofrimentos e
abalos mentais, elas não sobrevivem.
Colmar
reforça a tese de Pahim de que Silvestre ficara revoltado e jura vingança. Terminada
a revolução, todos voltam à normalidade. Silvestre Gomes começa a rondar todos
os inimigos que destruíram sua família e os vai matando, um a um. Primeiramente,
atira no peito de cada adversário encontrado e o degola posteriormente. Após atirar
com seu Colt 45, avisava: “eu sou o
Silvestre Gomes!”
E
os relatos davam conta de que havia um fantasma por ali, segundo Colmar, o “Fantasma
do Passo do Silvestre”. O imaginário popular pulula de boca em boca e até hoje
alimenta as rodas de charla nos galpões costeiros. Dizem, segundo o texto de
Colmar Duarte: “que ele é visto rondando as coxilhas, E que, quando algo errado
está acontecendo, fica por perto, como uma mau presságio, à espera da reparação
e do justo castigo”.
De acordo com as fontes de Colmar, bem mais tarde, Silvestre volta a casar com uma índia charrua, deixando descendentes, dos quais coletou depoimentos para seu livro.
Nas
duas abordagens algo fica muito claro – o
fato deu-se na Revolução de 1893.
O
Passo do Silvestre, entretanto, já teria este nome bem anterior data em questão. Como
coletamos informações as mais diferentes possíveis de nossa história, fomos
encontrar referências que comprovam que este nome não se refere a 1893.
No
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, edição n.º 233, página 3, de 23 de agosto
de 1874 informava que “achavão-se em Ibicuhy, passo do Silvestre, o Coronel Conrado e o major Cunha Mattos,
engenheiros da Commissão de fortificação da província, que alli forão escolher
o local para o ocampamento do exercito de observação, que vai ser criado naquella
fronteira”. Optamos pela transcrição
textual como forma de substanciar a fonte. Ou seja – em 1874 havia o passo com este nome.
Retroagindo um pouco mais, em 11 de abril de 1867, o Correio Mercantil, RJ, edição n.º 101,
página 1, noticiava: “O exercito a mando do sr. Barão do Herval seguirá, no dia
1 de março de 1867 em numero de dous mil homens para o Passo do Silvestre onde reunir-se-ão os diversos contingentes do
general Canabarro e marcharão para São Borja.” Estaríamos portanto, na Guerra do Paraguai. Ano – 1867.
E
para sacramentar a tese de que o nome do Passo do Silvestre não se refere à Revolução Federalista de 1893, temos a informação do Jornal do Commercio, RJ,
edição n.º 68, página 1, dia 3 de novembro de 1858. O texto diz: “O corpo
do exercito de observação que consta de 8.000 mil praças, se acha acampado na
margem esquerda do ibicuhi, no passo do
Silvestre, desde o dia 6 de fevereiro”. Esta força era responsável para
cuidar da movimentação da Banda Oriental. Vejamos, ano de 1858, quando Itaqui emancipa-se de São Borja, o passo do
Ibicui, entre Itaqui e Alegrete, já
tinha o nome de passo do Silvestre.
E
agora, o fantasma assusta mais ainda! A lenda vem de remotos tempos. As fontes
deixadas não foram muito exatas. Quem sabe os relatos orais passados de geração
a geração tiveram como parâmetro o ano de 1893. Contudo, as fontes anteriores
deixam bem claro que o nome já existia, no mínimo, desde 1858.
Pesquisadores
e historiadores são gente que gosta de dados, números, datas, fontes e
comprovações. É um pessoal rabugento! Duvidam de tudo, querem provas. “Fuxicam”
em tudo! Gentinha bem danada essa!
Vamos
deixar que o folclore alimente as rodas de conversas ao pé do fogo dos galpões,
nas chimarreadas, nas campereadas.
O
homem simples não se apega a fontes. Pelo contrário, ele bebe das fontes do
imaginário telúrico.
Indiferente
se o nome era Facundo Silvestre ou Silvestre Gomes, se existiu ou não. O fato é
que a lenda perpetuou-se na memória popular e hoje ela faz parte de nossa
história. Se existiu ou não, a verdade é uma só – todos que passarem naquela
travessia do Ibicuí em noites de pura treva lembrar-se-ão que ali há um
fantasma – “o Fantasma do Passo do Silvestre”! E arregalarão os olhos! E
tremerão nas bases! Afinal, com essas coisas não se brinca!
E
quem duvidar, que arranje outra versão.