sexta-feira, 14 de maio de 2021

Dona Luizinha Aranha

Foto Dona Luizinha, quando jovem, acervo da família (cpdoc)


                               
  Dona Luizinha – a “mãe dos Aranha”!

Cidadã do mundo - caridosa e prestativa, reconhecida pelo Papa.

Prof.º Paulo Santos

Toda vez que passava pela Rua Luizinha Aranha, conhecida via de Itaqui/RS, sentido Norte/Sul, atiçava-me a curiosidade – quem era essa senhora? Que motivos elencaram a comunidade a homenagear com seu nome a referida rua?

Numa busca imediata, pouco encontrei. Assim, entre curioso e perplexo frente ao descaso com as informações históricas de nossa terra, fui atrás de referências mais. Inteirei-me dos endereços possíveis, vasculhei fontes e fontes e debrucei-me, de forma incessante, no rastro de informações novas. Tanto que elas começaram a surgir. Os resultados surpreenderam-me enquanto pesquisador – Dona Luizinha Aranha foi, de fato, uma personalidade muito além de seu tempo.

Luiza de Freitas Valle, conhecida futuramente como Dona Luizinha Aranha, nasceu na cidade de Alegrete, RS, vivendo muito tempo em Itaqui, RS, depois Rio de Janeiro. Era, na verdade, uma cidadã do mundo.

Foto D. Luzinha - constante no MyHeritage

Da província de São Paulo, especificamente da localidade de São Sebastião, veio seu pai, Manuel de Freitas Valle casado com Luiza Jacques de Freitas Valle, primos-irmãos, para o Rio Grande do Sul, fixando-se em Alegrete. Ali nascia a 2 de fevereiro de 1872, Luiza, que viria a casar com Euclides Egydio de Sousa Aranha, de São Paulo. Casaram em Alegrete, dia 12 de outubro de 1887. Luiza teria nesta data apenas 15 anos.

Cel. Euclides Aranha - jovem ainda - Foto retirada do MyHeritage

Os jornais da Hemeroteca Digital, um link da Biblioteca Nacional, forneceram-nos dezenas de pistas valiosas que ajudaram a elucidar a grande história de vida de Dona Luizinha Aranha.

Por ocasião de seu falecimento, em 1948, as informações davam conta de que o casal tivera 21 filhos, dos quais restavam vivos apenas nove.

Seu pai viera de São Paulo antes de 1877, para Alegrete, RS, com ela e outra filha. Casou em 1887 e por volta de 1894, não se sabe bem se estava em Alegrete ou Itaqui, emigrados na Argentina por  conta da Federalista.. Talvez sendo o período de aquisição da secular Estância Alto Uruguai. Propriedade essa que em 1865, quando da invasão paraguaia ao Rio Grande do Sul, pertencia a Fortunato Assumpção. Há informações de que Euclides teria recebido a estância de herança. Entretanto não conseguimos localizar de quem.

Em 1893, junto com o esposo, esteve exilada na Argentina por conta dos efeitos da Revolução Federalista, a “Revolução da Degola”, um dos mais sangrentos episódios bélicos de natureza política do estado. Regressa em 1894, ano que nasce o filho, futuro chanceler e presidente da ONU, ministro de Estado – Osvaldo Aranha.

Não se sabe com exatidão o tempo que Dona Luizinha permaneceu com a família em Itaqui. Acredita-se que a partir da ascensão de Osvaldo Aranha no cenário político nacional, ela teria se mudado para a capital da República, Rio de Janeiro. Talvez próximo a 1920, ou mais.

Seu nome aparece com destaque na imprensa nacional, principalmente  por ser a mãe do estadista Osvaldo Aranha - mais ainda – pelo seu desmedido e notável trabalho social e caritativo. Nos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre sobejam notas sobre importantes trabalhos liderados e influenciados por Dona Luizinha.

Em 1914 consta em notícia do Correio do Povo (RS), que Dona Luizinha Aranha teria fundado em Itaqui, RS, uma vila proletária. Que vila seria essa?

Ano de 1923 – Revolução. Dona Luiza e o Coronel Euclides Aranha tiveram oito de seus filhos engajados na luta, juntamente com o pai. Além disso, a distinta senhora deu assistência aos feridos, sem distinção de cores partidárias.

Em 1930 organizou um serviço destinado a socorrer e amparar os combatentes e familiares desse movimento, ou seja, a Revolução de 30.

Em 1931 aceitou a presidência da Cruzada Feminina Deus e Paz, no Rio Grande do Sul, que defendia os princípios básicos da família brasileira. Nesse período, uma das vitórias da cruzada foi o decreto presidencial instituindo o ensino religioso nas escolas. Bateu-se contra a lei do divórcio, reunindo mais de duzentas mil assinaturas, num memorial remetido ao Chefe de Governo.

Em 1934 organizou um manifesto, com 250 mil assinaturas, para que na Constituição Federal fossem aceitas as emendas de caráter religioso. Decorrente desse trabalho na defesa das ideias católicas, o Papa Pio XII concedeu-lhe a Cruz “Pro-Eclesia et Pontifice”, considerado um dos mais altos diplomas da Igreja. Estava também envolvida na Campanha do Bom Cinema. Neste mesmo ano, lidera um outro memorial assinado por mais de 14 mil senhoras.

Ano de 1934 – um dos mais relevantes serviços de Dona Luiza foi a criação do “Amparo Santa Cruz”, no bairro Belém Novo, em Porto Alegre, levantado para os filhos sãos dos leprosos. Para construção e levantamento da pedra fundamental dessa sede, em 1938, fez campanhas poderosas, conseguindo muito dinheiro. E mais – os jornais acentuam que Dona Luiza gastou a maior parte de sua fortuna ali. O local oferecia atendimento a cem crianças que recebiam alimentação e conforto moral.

Ano de 1940 – foi conferida a Ordem Militar de São Lázaro de Jerusalém à Dona Luiza Aranha pelos profícuos trabalhos comunitários e beneméritos.

Em 1942, Dona Luiza ajuda a liderar a Campanha Nacional de Aviação, sendo homenageada como madrinha do avião “Brigadeiro Luiz Antonio “, doado por uma empresa de São Paulo ao Aeroclube de Cruz Alta, RS.

Uma curiosidade: no ano de 1953, quando Dona Luiza não mais existia, os jornais do Rio de Janeiro noticiavam que Luizinha Aranha, filha de Ciro Aranha, era eleita Miss Vasco da Gama. Era uma neta destacando-se no cenário carioca, homenageando a grande avó.

Foto Dona Luiza, esposo e alguns filhos, por volta de 1900(acervo da família-cpdoc)

Alguns relatos orais dão conta de que o local “Mata-Fome”, próximo aos campos da Estância Alto Uruguai, dos Aranha, teria este nome pelo motivo de que Dona Luizinha Aranha costumava deixar nos mourões das cercas vasilhas com comidas para os transeuntes que passavam pelo local com fome.

Mesmo com uma extensa filiação, parece que Dona Luizinha, como era mais conhecida, ainda tinha alguns filhos que adotara e ajudara por muito tempo. No Parque Comendador Firmino Fernandes Lima – o Parcão, há um bebedouro na esquina da rua Paschoal Minoggio com XV de Novembro, cuja construção seria atribuída à mãe dos Aranha. Com pena dos animais, teria doado o referido bebedouro para tal fim. Hoje ele está um pouco descaracterizado.

O Diário da Noite, de São Paulo, edição n.º 87205, de 1948, página 1, trazia a seguinte e dolorosa notícia:

Falece a “Mãe dos Aranha”. Gastou sua fortuna em obras de caridade. Protegeu os pobres e sempre ajudou a construir hospitais, escolas e igrejas. Hoje o sepultamento da Sr.ª Luiza Freitas Valle Aranha no Cemitério de São João Batista. Rio, 1. Perdeu ontem o Brasil uma das suas mais ilustres matronas, digna por todos os títulos da administração, não só da Sociedade em que viveu mas também a nação inteira, aquela que no Rio Grande, em São Paulo, no Rio e no próprio norte era chamada carinhosamente a “mãe dos Aranha”

Itaqui resgatou a memória desta exemplar mulher, alterando o nome da Rua Aristides Lobo,  em 21/12/1959, para Dona Luiza Aranha, onze anos após sua morte. Com uma atuação tão expressiva no cenário nacional, de entrega, devotamento, desprendimento e luta por causas sociais relevantes, Dona Luizinha Aranha merecia isso e muito mais.

Entretanto, seu nome parece incrustado muito fortemente na memória popular. Talvez a mais relevante, visto que ela foi gente do povo, socorrendo e assistindo. Um espírito de alta transcendência que evolou pelo espaço itaquiense, transcendendo para voos maiores ao longo de sua evolução enquanto ser de luz suprema. A eternidade, com certeza, lhe fará justiça.

 

 

Um comentário:

  1. Quem tiver alguma informação, de base oral ou documental, sobre esta grande personagem, acessem este blog ou mande para nosso email ao lado, que publicaremos, indicando a fonte.

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