domingo, 29 de outubro de 2017

Atanásio José Lopes

ATANÁSIO JOSÉ LOPES
Um furriel de milícias na defesa dos domínios portugueses frente à tentativa de reconquista dos guaranis de Andresito
Prof.º Paulo Santos

Muita gente passa pela rua Atanásio José Lopes, ou talvez até nela more, sem saber quem era a pessoa que recebeu tal homenagem. Pois nome de rua é homenagem. Só o recebe quem prestou algum serviço de relevância ou teve uma vida envolta em atos de bravura, benfeitoria ou desprendimento.
Vejamos então!
Atanásio Lopes nasceu em Santo Antonio da Patrulha, sendo batizado no dia 15 de maio de 1780, filho do Capitão Antonio José Lopes, natural de Évora, Portugal e de dona Helena Eufrásia Pereira (nascida em 3 de junho de 1754, em Rio Grande, RS), da freguesia de Santo Antonio da Patrulha, filha de Manoel Antonio e Mariana de Bittencourt. Seu pai veio de Portugal, fixando-se no Rio Grande e aqui contraindo núpcias. Manoel Antonio de Bittencourt nasceu em 1724, na Ilha Graciosa, Açores, Portugal, filho de Manuel Pereira Bittencourt e Catarina Espíndola.  Mariana de Bittencourt nasceu na mesma Ilha, Açores, filha de Manuel Machado Ribeiro e Teresa de Ataíde de Bittencourt. Os avós paternos eram Antonio Lopes e Mariana de Jesus.
A genealogia de Atanásio José Lopes cruza, em determinado momento, com a minha, segundo os estudos até agora.
Atanásio José Lopes viria a casar com Ana Joaquina da Silveira, filha de Francisco Silveira Peixoto e Ana Maria de Jesus. O pai, natural de Faiol, Açores, Portugal, filho de José Silveira Peixoto e Maria da Conceição. A mãe, natural do mesmo lugar, filha de Antonio Silveira Goulart e Maria Dutra, falecida em 28 de agosto de 1703, em Santo Antonio da Patrulha, Rio Grande do Sul.
Houve desse casal quatro filhos: Atanásio, José, Mariana e Antonia.
Atanásio era um furriel de milícias, cargo intermediário entre cabo e sargento, e comandava uma guarda na barra do Cambai, o lendário rio Itaquy, em 1826. Essa guarda foi colocada no local onde estivera o acampamento dos 150 soldados milicianos comandados pelo Capitão Fabiano Pires de Almeida ali instalada em 1821. Após o registro desse regimento, nenhuma outra informação se tem. Fala-se que após uma grande enchente teriam os soldados migrados para região onde hoje é o centro da cidade. Eu imagino que essa força não ficou muito tempo por aqui. O grosso da tropa voltou para suas bases, deixando uma pequena guarda no seu lugar. Essa era função de Atanásio como comandante dessa guarnição, composta por 12 ou 13 milicianos: fazer a vigilância da fronteira.
Essa guarda, na foz do arroio Cambaí, foi atacada de surpresa por uma força de mais de 2000 combatentes comandados pelo cacique guarani, filho adotivo do General uruguaio José Artigas, o famoso Andresito Guacurari Artigas, justamente no dia 12 de setembro de 1826. Andresito tinha o propósito de reconquistar essas terras para o domínio espanhol e reintegrá-las ao contexto guarani.
Ilustração: cacique Andresito Artigas, cuja tropa aniquilou  a guarda de Atanásio José Lopes

A guarda de Atanásio, diante da superioridade numérica do inimigo bateu-se em retirada, dirigindo-se à estância São João, propriedade da família, distante uns 30 quilômetros. Foram perseguidos pelos invasores e em vez de se entregarem, resolveram resistir, ficando entrincheirados na casa de moradia.
Todo aquele corpo foi dizimado, além de Atanásio e sua esposa, Ana Joaquina. Na hora do combate, segundo relatos, Atanásio trazia no colo uma das filhas, Antônia, que também fora ferida gravemente num dos braços tentando defender o pai. Esta e mais três irmãos sobreviveram, sendo recolhidos pelos índios guaranis e levados para o outro lado do rio Uruguai, sendo acolhidos por eles, não se sabe bem se em Alvear ou La Cruz, vivendo em condições subumanas. Um ano após foram recuperados e trazidos de volta para Itaqui aos cuidados de outros familiares.
O Cônego João Pedro Gay em sua monumental obra sobre as Missões informava sobre Antonia Lopes Loureiro "a qual era muito menina e estava abraçada com seu pai quando a gente de Adnresito o mataram. Ela mesma foi ferida em um braço". (p.827, Revista do Arquivo Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, volume 26).
Todos cresceram e se tornaram pessoas conhecidas na comunidade. Antônia Lopes da Silva, nascida em 14 de maio de 1824, em Santo Antonio da Patrulha, viria a casar-se com Manoel dos Santos Loureiro, o conhecido Coronel Manduca Loureiro, nascido em 1803 na mesma cidade, filho do Cel. Joaquim dos Santos Loureiro e Maria Eufrásia Lopes, tios do casal.

Atanásio José Lopes, Antonia Lopes Loureiro e Manduca Loureiro viraram nomes de ruas. O sacrifício do bravo furriel é reverenciado pela memória itaquiense.
Coronel Manduca Loureiro - foto do blog loureirogenea - esposo da filha de Atanásio José Lopes

Dorval Peres

DORVAL PERES
Um combatente à margem dos memoriais
Prof.º Paulo Santos

É próprio dos historiadores reverenciarem personagens ligadas aos grandes fatos, revestidos de postos, lauréis e glórias.
Os humildes.....há!...esses ficam relegados ao esquecimento e à revelia, poucas vezes sobrevivem na memória alimentada pela tradição oral. Neste espaço pretendemos resgatar para a historiografia itaquiense, a memória de um combatente, simples, humilde, porém investido de uma riqueza existencial de fazer inveja a muito ser bem dotado intelectualmente.
Este texto-depoimento eu o fiz há muito tempo atrás, quando preparava material ao livro do artista itaquiense, Jorge Vômero. Resolvi entrevistar, então, a DORVAL PERES. De acordo com sua memória, privilegiada, teria 99 anos, na época – algo extraordinário! Fomos visitá-lo e tentaremos transcrever informações que foram possíveis coletar. Após algum tempo, nosso entrevistado faleceu.
Dorval Peres nasceu na Bela Uníón. Seus pais eram Joana Manvaira Peres e Manoel Peres. Nunca frequentou escola alguma, entretanto, era dotado de um conhecimento de vida muito aguçado. Seu pai foi um veterano da Revolução de 1893, a Federalista. O sobrenome Peres é de procedência uruguaia, pois seu avô, Mariano Peres, teria vindo da República Oriental do Uruguai, fixando-se nessa região.
Dorval contava que participou de combates em revoluções no período de 1923, 1924 e 1936, questões relativas à troca de governos e o consequente enfrentamento das diferentes forças.
Percebia-se no referido combatente uma fidelidade ferrenha aos ideais por que lutava. Continuava sendo um chimango; mantinha, na ocasião, guardados, como relíquias, dois lenços brancos – símbolo dos chimangos. Em 1923 foi para a revolução no lugar de seu pai, e daí em diante sempre esteve atrelado a combates e refregas.
Algumas informações transitavam em sua mente um pouco difusas, no entanto ainda guardavam um pouco de nexo. Salientava que a atuação guerreira esteve situada à fronteira, visto que sua brigada sediava-se em Livramento.
Lembrava muito bem de Osvaldo Aranha que provavelmente teria sido um de seus comandantes quando das brigas de fronteira, dado ao seu caráter de legalista. Conheceu e lutou ao lado do famoso General Flores da Cunha, que por sinal, devotava fidelidade.
Contou-nos uma passagem altamente curiosa e sentimental ocorrida com Flores da Cunha quando este era presidente do Estado. Uma senhora foi procurá-lo para que intecerdesse, por ela, numa questão relativa à prisão de seu filho. Essa senhora solicitava que Flores da Cunha providenciasse a libertação do moço. O referido General perguntou se a humilde mãe não teria um esposo que lutasse por essa causa. Rápido teve a resposta:
“- Quando o terneiro está atado, General, quem berra é a vaca!”, respondeu a intrépida mãe.
Flores da Cunha admirou-se da resposta franca e fulminante e, em vista disso, atendeu ao pedido. Nunca uma mulher tinha lhe dado uma resposta tão firme, franca e profunda. Mandou soltar o filho da mesma e contava a todos a “gauchada da senhora”, fato esse recolhido por Dorval.
Falava dos combates que participou. Em Ibirapuitan (Alegrete), muita gente morreu porque as forças contrárias entrincheiraram-se numa mangueira de pedra. No combate de Vista Alegre, também no mesmo município, na divisa com Rosário, perderam-se muitos chimangos, pois os revolucionários situaram-se atrás de um serro.
Lembra de uma frase do Drº. Roque Degrazia quando do sítio de Itaqui, em 1923: “– Faz cinco dias que estamos sitiados. Estamos comendo as vacas dos leiteiros. O que vamos fazer?”
Sua memória guarda uma décima de 1924, na Revolta do Prestes:
“No dia 24 de julho
foi uma noite amargurada
gritaram: viva a revolta!
às quatro da madrugada”.
Pouco tempo depois, viria a falecer. Ficou, infelizmente, à margem dos memoriais.


Nota do autor: Seus descendentes poderiam ajudar-nos com mais informações e fotos do mesmo. ok?

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

seção #itaquijafoi!

Seção #itaquijafoi!
Reminiscências de um passado próximo que não passou!
Prof.º Paulo Santos

Um dia, atento, ouvia o que meus colegas de uma escola municipal conversavam numa pausa. Não eram coisas do presente. Não eram modernidades. Eram coisas do passado. Não um passado muito distante, mas próximo. Lembravam-se de situações corriqueiras, singelas, lúdicas e agradáveis de um Itaqui que não existe mais.
Apenas ouvia, entremeando algumas dúvidas.
Colegas e colegas lembravam do Itaqui passado – uma seção #itaquijafoi!
Pensei: com toda essa tecnologia, os meios de comunicação mais modernos, os produtos mais avançados, as mais altas das tecnologias, e os colegas sentindo falta de coisas singelas. Bregas, diríamos!
Lembravam, por exemplo: da Jaguariense – a primeira grande loja de Itaqui, parecia até um shopping center, tinha de tudo. Da Strassburger, sapatos de tudo que era tipo. Uma saudosista lembrou – que saudade do tempo que eu andava de conga. Depois, meus pais, com melhor situação compraram-me um quichute, depois um kids...coisa chique!
Um outro, brincalhão ao extremo, lembrou que levava os cadernos para a escola num saco de arroz Camil. Que coisa linda!  Como éramos felizes e não sabíamos! Hoje os smartfones de alta tecnologia, só faltam falar. Naqueles tempos os tijolões com teclado imenso, um peso exorbitante e aquele povo todo gritando para ser ouvido no outro lado. Como era romântico! Internet? Isso nem se pensava....
As opções de recreação – poucas! Boate da Breed, da Power. Cuja chiqueza era pedir uma dose de uísque com guaraná ao som do John Travolta! Tempos da brilhantina, ainda que com certas reservas de tempo cronológico. Algumas senhoritas cantavam: “tome um banho de lua, fico branca como a neve..” Celly Campello!
Uns colegas comentavam que seus pais e tios falavam das calças Lee, das bocas-de-sino e uns idiotas pós-modernos puxando um cigarro só para fazer pose.
As lojas hoje de 1,99 não eram novidades para a época. Lembravam do bazar do Jesus, perto da praça...ali tinha de tudo. Coisa linda ir para a praça matriz sentar nos bancos frente à Independência para ver as gurias passar. Depois aquelas intermináveis voltas na praça. O quiosque do Alizio. Os garotos mais liberados podiam pedir samba – cachaça com coca, que maravilha!
Hoje ouvimos Anita, os Mcs da vida, os pagodinhos fajutos, os “sertanojos pós-modernos” e as mulheres gritantes. Naquele tempo, ouvia-se Rod Stuart, Super Tramp, Bee Gees, Fred Mercury, Jovem Guarda, Belchior, Raul Seixas, Zé Ramalho, Roberto e uma centena de grandes cantores e cantoras. As turmas tomavam seus tragos, sim, mas dançavam. Hoje, tomam mais do que tragos e só rebolam. Isso é o que meus colegas comentavam.
Lembravam de pessoas. De pessoas engraçadas. De tipos. Do Pitoco, por exemplo. Do Chita trazendo os chibos da Argentina. Lembrei do Pitoco, o velho, um dia na frente do Unibanco. Queria um cigarro e saiu-se com essa: - me dá um cigarro, que deixei minha carteira de Charme encima da tv a cores! Pode?
Agora, já era! As pessoas estão de cabeça baixa! Por quê? Ora, simples! Estão teclando em seus celulares. Como diria Jonh Lennon – O sonho não acabou! Engana-se ele. Acabou sim!
Acabou a poesia da singeleza. Acabou a simplicidade. A pureza das coisas mais corriqueiras. A magia das sensações mais inusitadas.
Veio o progresso. Com ele veio a mais devastadora das tecnologias – o celular.  Cada um enovelou-se em um mundo próprio. Ninguém anda mais do que dois metros. O mundo está na ponta de uma tecla,
E daí?
A alegria daquele tempo não sai das lembranças. As pessoas estão se dando conta de que o presente não está substituindo aquele passado lindo.  E aí lembro de um verso do Raul, para terminar essa seção #itaquijafoi!;
“- Para o mundo que eu quero descer!”


quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Dona Donana Arques da Luz

DONA DONANA ARQUES DA LUZ
A apossada que caçava feras e influenciou na emancipação de Itaqui
Prof.º Paulo Santos
Transcrevo uma matéria bastante singular sobre a formação inicial de Itaqui e de uma personagem a qual a história nada registra. É função do pesquisador duvidar de tudo, conferir, medir, confrontar, testar e se posicionar. Assim, acho pouco provável que tal relato tenha algum foro de veracidade. Até prova em contrário, em história tudo é possível. Na íntegra, temos a matéria reproduzida e nossos comentários após:
“Contou-me um amigo que trabalhou na Prefeitura, setor de contabilidade, em 1955,após ter dado baixo do quartel. Filho de São Vicente do Sul, nas folgas, meu amigo passou a examinar os papéis da inauguração da cidade de Itaqui (1). Onde falava da apossada (2), quer referia-se a dona Donana Arques da Luz.
Ela invadiu em 1835 o território itaquiense pra caçar feras, fazer charques(3).
Donana deixava o navio (4) na costa do rio Uruguai e vinha entrando com um pequeno grupo de pessoas, formado por ela, o marido e os empregados. Muito rica e inteligente, dona Donana trazia ouro e dava aos bugres (5), em troca eles caçavam para ela.
Carregava o navio grande, ia e vinha até Itaqui. Assim funcionou até a Guerra dos Farrapos, onde perdeu o marido e os peões. Depois desta perda, ela só retornou a Itaqui quando o Brasil tinha liberado as divisas Brasil e Argentina, no dia 6 de dezembro de 1858 (6).
Quando Itaqui foi emancipada, a pedido de Donana Arques da Luz (7), em homenagem ao local onde nasceu na França, esta terra passou a denominar-se São Patrício.
Fizeram as vontades dela, que viveu caçando 23 anos na costa do rio ao Torrion (8), onde tinha casebre feito com pau ferro (9).
Em 1858 (10), ela deixou muito ouro enterrado por aí.
De Itaqui, Donana saiu atropelada e sem marido. “O amigo me emprestou o livro pra copiar este texto em 1965.”
Matéria publicada no Jornal Nossa Época, de Itaqui, RS, edição do dia 6 de dezembro de 2003, por ocasião do aniversário do município, assinada pelo leitor  José Viário, morador na rua Luizinha Aranha, 2337.
Algumas considerações se impõem:
(1)   Nunca soube que havia papéis exclusivos sobre a inauguração da cidade, no caso o termo correto seria Vila. Esses papéis, acredita-se, seriam do processo de emancipação;
(2)   Tampouco tinha conhecimento dessa pessoa como “apossada”. Tomaria posse de quê? Pelo que se percebe, ela vinha caçar;
(3)   Ela teria invadido Itaqui no ano que inicia a Revolução Farroupilha para caçar feras e fazer charque. O charque sempre, desde a formação do nosso estado, foi exclusividade da carne bovina que existia em grande quantidade e fazia parte da alimentação das pessoas daquele período. Charque de carne de feras!? Isso é uma novidade sem par. Além do mais, em 1835 não se tem notícia de que nosso território tivesse muitas feras;
(4)   Deixava o “navio”. Na verdade devia ser algum barco de grande calado, uma barcaça, que não dava vau para atracar, precisando ficar no meio do rio;
(5)   O fato dela trazer ouro e dar aos bugres, isso é de uma sandice inimaginável. Primeiro porque nesse período não havia bugres em Itaqui. Havia alguns remanescentes dos guaranis cristianizados espalhados entre La Cruz, Yapeju, Santo Tomé e São Borja e alguns charruas pelo lado do Uruguai, que eventualmente pudessem transitar pelo território, mas bugres, não! Além do mais, os índios não aculturados não se prestavam para esse tipo de troca: feras por ouro;
(6)   O dia citado é da emancipação de Itaqui. Não há qualquer informação de que as divisas do Brasil e Argentina estavam fechadas nesse período;
(7)   Donana teria pedido para emancipar Itaqui, quando se sabe que tal obra é do Juiz Hemetério José Velloso da Silveira. O nome Donana Arques da Luz não parece proceder da França. O nome de São Patrício ainda não se sabe bem quais suas justificativas para implantação aqui. Ainda precisamos de mais dados, porém acho improvável ser apenas autoria dessa senhora tal proposição;
(8)   Esta costa do “Torrion”, sinceramente não consigo divisar tal localidade. Confesso que gostaria de saber;
(9)   O texto fala que nesta costa ela tinha “casebre de pau ferro.” Mas como? A narrativa fala que ela era muito rica! Uma senhora de muito ouro, muito rica, vivendo num casebre?!
(10)      Esse fato dela deixar muito ouro enterrado, isso deixamos para o plano do folclore, do fantástico e do imaginário que são os elementos que alimentam os registros do passado desconhecido.
(11) Não teve referência alguma, ao longo de nossa pesquisa, ao nome dessa senhora como recebedora de terra .
Ainda que tenha todas essas ressalvas, este texto é interessante. Tem informações possíveis e parece repleto de confusões e distorções. A pesquisa histórica ajuda a reorganizar dados e colocar o trem da história dentro do seu trilho correto. Mesmo que 90% dessa narrativa seja inverossímil, os 10 que sobram dão pano para manga a interessantes divagações. Esta personagem nunca encontrei qualquer referência, nunca!
Junto com a cronologia dos fatos e personalidades, tem-se o lado pitoresco da história. Relatos inusitados e curiosidades. Isso tudo marcado pelos relógios solares dos missioneiros do Rincão da Cruz, hoje investigados pelos povoeiros modernos. É a história!

domingo, 8 de outubro de 2017

Coronel Felipe Nery de Aguiar

CORONEL FELIPE NERY DE AGUIAR
Primeiro intendente de Itaqui. Líder político-militar da República.





               Prof.º Paulo Santos
A história do Coronel Felipe Nery de Aguiar é riquíssima, entretanto pouco conhecida do grande público. Aliás, tudo o que pertence ao passado fica à margem das lembranças. Isso é material para pesquisadores e curiosos. Às vezes, até a família esquece de seus antepassados, o tempo moderno valoriza o efêmero; o que ficou para trás parece que perde sua validade. Entretanto, resgatar o passado e trazê-lo de uma forma menos saudosista é função de todos. Assim, retomar a figura de Felipe Nery de Aguiar é dar a conhecer uma personagem muito atuante na história antiga de Itaqui, naqueles conturbados tempos republicanos.
Existem muitos dados sobre Felipe Nery de Aguiar, alguns faltando exatidão. Há relato de que Felipe teria nascido na Fazenda Santa Esperança, localizada a poucas léguas de Recreio (Maçambará), na Sesmaria Bittencourt. Existem, nas fontes, três datas de nascimento: a 1.ª – 26 de maio de 1853; a 2.ª – 7 de março de 1845. Uma terceira: Há o batizado de Felipe Pinto de Aguiar (sem o Nery), em 30 de outubro de 1842, na Catedral de Sam Antonio de Padua, Concórdia, província de Entre Rios, Argentina. Aparece o nome correto de seu pai, Braz Pinto de Aguiar. Nem se sabe por que existe esta disparidade de informações. Por que teria sido batizado na Argentina se teria nascido em Itaqui ou Santa Maria? Outros relatos dizem que Felipe Nery teria vindo de Santa Maria, terra de seus pais.
Era filho de Braz Pinto de Aguiar e Maria Josepha Lopes de Aguiar.
Os avôs paternos eram o Capitão de Milícias, Baltazar Pinto de Aguiar, natural da Bahia, e Luiza Francisca Cabral, de Cachoeira, província do Rio Grande do Sul.
Os bisavôs paternos eram Baltazar Antonio Pinto, de Portugal, e Adriana Felícia de Santana, da Bahia, Brasil.
A mãe de Felipe, Maria Josepha Lopes, era filha de José Lopes de Paula (irmão de Atanásio José Lopes) e Maria Antonia Bittencourt (prima-irmã de José Lopes de Paula), originários de Santa Maria da Boca do Monte. A avó paterna, mãe de Braz, era filha de Antonio Cabral, de Cachoeira e Eulália Maria do Espírito Santo, de Viamão.
 A família de Felipe Nery veio de Santa Maria quando a Revolução Farroupilha estava destruindo as famílias e propriedades, principalmente de quem era monarquista (no caso do avô de Felipe) ou até mesmo republicano. O bisavô de Felipe Nery, O Juiz de Paz, Capitão de Milícias Baltazar Pinto de Aguiar, era inimigo ferrenho do líder revolucionário Bento Gonçalves, havendo correspondências que se referem a isso. O referido Juiz de Paz, radicado na localidade de Pau Fincado, arregimentava forças para lutar contra os rebeldes republicanos. Naquele período, Baltazar Pinto de Aguiar era aliado de Bento Manuel.
Felipe Nery de Aguiar pertenceu às unidades do Exército brasileiro como fez parte dos efetivos da Guarda Nacional, como Capitão Honorário.
Em 10 de janeiro de 1879 prestou juramento como vereador suplente. Em 1881 recebia diploma de vereador efetivo. Fez parte dos Clubes Abolicionista e Republicano. Exerceu o cargo provisório de delegado de Polícia no período de 1890. Foi também Juiz de Paz, em 1889. Estava presente na sessão da Câmara de Itaqui que aderiu à República, em 18 de novembro de 1889.
Como Intendente, o Coronel Felipe dedicou especial atenção à Praça Central, que na época recebeu o nome de Marechal Deodoro, criando jardins sob a supervisão de moças da sociedade itaquiense. Criou mais uma aula pública para meninos, nomeia professor, cria o 1.º Regulamento para as Escolas Municipais, regula os contratos dos passos municipais, solicita demarcação dos limites do Município e das estradas gerais de Itaqui, assinou contratos para iluminação pública dos lampiões de querosene, contrata o primeiro advogado para a Intendência, além de limpeza de sangas e ruas, serviços básicos daquele período.
Em 1895, tempo do Cel. Felipe de Aguiar, a Prefeitura, denominada de Intendência possuía 8 servidores e funcionava das 9 às 15 horas.
Embora não se conheça com exatidão a carreira militar de Felipe Nery, encontramos na Ordens do Dia, do Conde D’Eu, alguns dados, assim como dados do Diário Oficial da União, por exemplo:
Em 14 de julho de 1869 é promovido de Alferes Secretário para Tenente Secretário, conforme Ordem do Dia N.º 27, do Quartel General de Pirayu, no Paraguai;
Em 01 de janeiro de 1870 é promovido de Tenente para Capitão, através da Ordem do Dia N.º 42, do Quartel General Curuguaty, no teatro da Guerra do Paraguai;
Em 21 de janeiro de 1870, o Tenente Fellipe Nery de Aguiar, do 11.º Corpo de Cavalaria, foi designado para assistente de deputado do quartel-mestre junto ao comando da 4.ª Brigada da mesma arma, através da Ordem do Dia N.º 47, do Quartel General da Vila do Rosário;
Em 1880, promovido a Major Ajudante da Guarda Nacional da comarca de Itaqui, RS;
Em 29 de setembro de 1894, através de decreto do Ministério da Guerra, publicado no Diário Oficial da União, promovido de Tenente-Coronel a Coronel, pelos relevantes serviços no estado do Rio Grande do Sul durante a Revolta Federalista.
Foi nomeado pelo presidente da província, como primeiro intendente de Itaqui, prestando compromisso em 1.º de novembro de 1892. Neste mesmo ano foi promulgada, em seu governo, a 1.ª Lei Orgânica do Município. Em 1896 é eleito para seu segundo mandato, não podendo concluí-lo devido a seu falecimento em 1900.
Em 13 de março de 1892 participa junto com outras lideranças políticas e militares de importante reunião em Caceros, província de Corrientes(Argentina), que decidiu por fazer a revolução com o objetivo de restaurar a ordem, em virtude dos protestos e luta armada organizados pelo Partido Federalista, cujo líder Silveira Martins pregava contra a política de Júlio de Castilhos. Eram as tratativas que originaram a Revolução Federalista com repercussão em toda a província do Rio Grande do Sul, com combates em Itaqui. O Coronel Felipe estava entre os organizadores desta contrarrevolução.
O Coronel Felipe Nery de Aguiar é chamado para comandar a 6.ª Brigada subordinada à Divisão do Norte, sob o comando de Pinheiro Machado. O Intendente Felipe Nery pede licença de seis meses para se integrar a essa força, havendo notícias de combates onde o Cel. Felipe de Aguiar é elogiado.
Comprovadamente participou da Guerra do Paraguai, recebendo condecoração em virtude disso. Em 26 de setembro de 1893 ocorreu um combate entre as forças governistas, comandadas pelo Tenente-coronel Felipe de Aguiar contra os revolucionários de Gomercindo Saraiva, em Itaqui. As forças legais foram derrotadas. Felipe Nery de Aguiar reorganizou um contingente das forças derrotadas dando-lhe o nome de “Esquadrão Itaquiense”. Havia na cidade o 11.º Corpo Provisório sob o comando do Tenente-coronel Aureliano Pinto Barbosa.
Em Itaqui, casou com Cândida Lopes de Aguiar, filha de Simeão Estelita Lopes e Maria Teodora Lopes, de Santa Maria. Tiveram uma única filha: Felicidade, que ao casar com o escrivão Maurílio Xavier Caldeira, passou a assinar-se Felicidade de Aguiar Caldeira. Felicidade e Maurílio tiveram como filhos: Elisa, Hilda, Alda, Otília e Felipe Nery de Aguiar, falecido precocemente aos 20 anos.
Da filha Elisa casada com Paschoal Degrazia nasceu, entre outros, o popular Seu Roquinho, proprietário de lotérica, esposo de Dilema Dellamora Degrazia, muito querido pela comunidade. Antes do seu falecimento, conseguimos falar com o mesmo a cerca de seu bisavô ilustre. Dizia-me ele que pouca coisa sabia do mesmo. A família não costumava preservar a história passada. Além disso, também falecida, Dona Hilda Degrazia, bisneta de Felipe, moradora na rua Independência, com quem tivemos a oportunidade de conversar em vida. Ainda vive outra bisneta, Dona Gilda Degrazia Saad, viúva do saudoso Dr.º Chaphick Saad.
O Coronel Felipe Nery de Aguiar deve ter granjeado a simpatia dos órgãos vivos do município tanto que recebeu após sua morte, várias homenagens como, por exemplo: uma rua de sentido leste/oeste com o seu nome; o batismo da Escola Isolada Coronel Felipe de Aguiar, em 1953, no Curuçu e a homenagem com o nome da Escola Estadual Felipe Nery de Aguiar, em 1963, próxima ao centro da cidade, cuja primeira diretora, professora Gilda Caldeira Degrazia, era sua bisneta.
Uma de suas bisnetas, já falecida, contou-nos um dia que a família guardava como relíquia uma espada do Coronel Felipe Nery de Aguiar, que teria usado na Guerra do Paraguai.
Este contava aos seus descendentes que em determinado período, num momento de descontração entre as peleias, ele teria desembainhado a espada e tirado num único golpe o quepe de um de seus soldados, apenas para descontrair. Contava essa história e costumava rir muito. Afinal, a guerra é dura e não dava tempo para brincadeiras. A família recolheu esse depoimento e guardava com carinho a respectiva espada, que na época a referida bisneta manifestou a intenção de doá-la ao município desde que houvesse uma garantia da guarda e do uso adequado de tamanha relíquia. Não houve interesse do poder público para receber tal relíquia.
O pai de Felipe Nery, o também militar Braz Pinto de Aguiar era filho do Tenente de Milícias, Baltazar Pinto de Aguiar. Baltazar era, por informações orais familiares, irmão de meu tetravô paterno, Ignácio Pinto de Aguiar. Os relatos indicam que Baltazar eventualmente vinha até Itaqui e procurava seu irmão. Ignácio, por ocasião de seu testamento, nomeia o sobrinho-neto Felipe Nery de Aguiar como seu testamenteiro em 1883, no Rincão da Árvore, vindo a falecer em 1886. Por outro lado, o Coronel Felipe Nery de Aguiar era primo-irmão de meu outro trisavô paterno Augusto Silveira Dutra.
O Coronel Felipe Nery de Aguiar faleceu em Itaqui, dia 5 de janeiro de 1900, de congestão cerebral, numa sexta-feira, ocorrendo os funerais no sábado, às 9h da manhã, morte atestada pelo Dr.º Afonso Escobar.
Itaqui precisa conhecer mais sobre essa figura de singular atuação na vida político-histórica de um período de intensas conturbações – o advento da República. Outrossim, a República destituiu a Monarquia e inicia uma nova fase na história do Rincão da Cruz, que literariamente poderíamos denominar como “entre a cruz e a espada”.
Numa conotação estilística, pode-se abstrair que seria a cruz missioneira do pueblo de Itaquy das doutrinas cristãs da Companhia de Jesus e a espada dos republicanos, aqui representada por essa relíquia preservada pela família do Coronel Felipe Nery de Aguiar.






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