quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Dona Donana Arques da Luz

DONA DONANA ARQUES DA LUZ
A apossada que caçava feras e influenciou na emancipação de Itaqui
Prof.º Paulo Santos
Transcrevo uma matéria bastante singular sobre a formação inicial de Itaqui e de uma personagem a qual a história nada registra. É função do pesquisador duvidar de tudo, conferir, medir, confrontar, testar e se posicionar. Assim, acho pouco provável que tal relato tenha algum foro de veracidade. Até prova em contrário, em história tudo é possível. Na íntegra, temos a matéria reproduzida e nossos comentários após:
“Contou-me um amigo que trabalhou na Prefeitura, setor de contabilidade, em 1955,após ter dado baixo do quartel. Filho de São Vicente do Sul, nas folgas, meu amigo passou a examinar os papéis da inauguração da cidade de Itaqui (1). Onde falava da apossada (2), quer referia-se a dona Donana Arques da Luz.
Ela invadiu em 1835 o território itaquiense pra caçar feras, fazer charques(3).
Donana deixava o navio (4) na costa do rio Uruguai e vinha entrando com um pequeno grupo de pessoas, formado por ela, o marido e os empregados. Muito rica e inteligente, dona Donana trazia ouro e dava aos bugres (5), em troca eles caçavam para ela.
Carregava o navio grande, ia e vinha até Itaqui. Assim funcionou até a Guerra dos Farrapos, onde perdeu o marido e os peões. Depois desta perda, ela só retornou a Itaqui quando o Brasil tinha liberado as divisas Brasil e Argentina, no dia 6 de dezembro de 1858 (6).
Quando Itaqui foi emancipada, a pedido de Donana Arques da Luz (7), em homenagem ao local onde nasceu na França, esta terra passou a denominar-se São Patrício.
Fizeram as vontades dela, que viveu caçando 23 anos na costa do rio ao Torrion (8), onde tinha casebre feito com pau ferro (9).
Em 1858 (10), ela deixou muito ouro enterrado por aí.
De Itaqui, Donana saiu atropelada e sem marido. “O amigo me emprestou o livro pra copiar este texto em 1965.”
Matéria publicada no Jornal Nossa Época, de Itaqui, RS, edição do dia 6 de dezembro de 2003, por ocasião do aniversário do município, assinada pelo leitor  José Viário, morador na rua Luizinha Aranha, 2337.
Algumas considerações se impõem:
(1)   Nunca soube que havia papéis exclusivos sobre a inauguração da cidade, no caso o termo correto seria Vila. Esses papéis, acredita-se, seriam do processo de emancipação;
(2)   Tampouco tinha conhecimento dessa pessoa como “apossada”. Tomaria posse de quê? Pelo que se percebe, ela vinha caçar;
(3)   Ela teria invadido Itaqui no ano que inicia a Revolução Farroupilha para caçar feras e fazer charque. O charque sempre, desde a formação do nosso estado, foi exclusividade da carne bovina que existia em grande quantidade e fazia parte da alimentação das pessoas daquele período. Charque de carne de feras!? Isso é uma novidade sem par. Além do mais, em 1835 não se tem notícia de que nosso território tivesse muitas feras;
(4)   Deixava o “navio”. Na verdade devia ser algum barco de grande calado, uma barcaça, que não dava vau para atracar, precisando ficar no meio do rio;
(5)   O fato dela trazer ouro e dar aos bugres, isso é de uma sandice inimaginável. Primeiro porque nesse período não havia bugres em Itaqui. Havia alguns remanescentes dos guaranis cristianizados espalhados entre La Cruz, Yapeju, Santo Tomé e São Borja e alguns charruas pelo lado do Uruguai, que eventualmente pudessem transitar pelo território, mas bugres, não! Além do mais, os índios não aculturados não se prestavam para esse tipo de troca: feras por ouro;
(6)   O dia citado é da emancipação de Itaqui. Não há qualquer informação de que as divisas do Brasil e Argentina estavam fechadas nesse período;
(7)   Donana teria pedido para emancipar Itaqui, quando se sabe que tal obra é do Juiz Hemetério José Velloso da Silveira. O nome Donana Arques da Luz não parece proceder da França. O nome de São Patrício ainda não se sabe bem quais suas justificativas para implantação aqui. Ainda precisamos de mais dados, porém acho improvável ser apenas autoria dessa senhora tal proposição;
(8)   Esta costa do “Torrion”, sinceramente não consigo divisar tal localidade. Confesso que gostaria de saber;
(9)   O texto fala que nesta costa ela tinha “casebre de pau ferro.” Mas como? A narrativa fala que ela era muito rica! Uma senhora de muito ouro, muito rica, vivendo num casebre?!
(10)      Esse fato dela deixar muito ouro enterrado, isso deixamos para o plano do folclore, do fantástico e do imaginário que são os elementos que alimentam os registros do passado desconhecido.
(11) Não teve referência alguma, ao longo de nossa pesquisa, ao nome dessa senhora como recebedora de terra .
Ainda que tenha todas essas ressalvas, este texto é interessante. Tem informações possíveis e parece repleto de confusões e distorções. A pesquisa histórica ajuda a reorganizar dados e colocar o trem da história dentro do seu trilho correto. Mesmo que 90% dessa narrativa seja inverossímil, os 10 que sobram dão pano para manga a interessantes divagações. Esta personagem nunca encontrei qualquer referência, nunca!
Junto com a cronologia dos fatos e personalidades, tem-se o lado pitoresco da história. Relatos inusitados e curiosidades. Isso tudo marcado pelos relógios solares dos missioneiros do Rincão da Cruz, hoje investigados pelos povoeiros modernos. É a história!

Um comentário:

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