DONA DONANA ARQUES DA LUZ
A apossada que caçava feras e
influenciou na emancipação de Itaqui
Prof.º Paulo Santos
Transcrevo
uma matéria bastante singular sobre a formação inicial de Itaqui e de uma
personagem a qual a história nada registra. É função do pesquisador duvidar de
tudo, conferir, medir, confrontar, testar e se posicionar. Assim, acho pouco
provável que tal relato tenha algum foro de veracidade. Até prova em contrário,
em história tudo é possível. Na íntegra, temos a matéria reproduzida e nossos
comentários após:
“Contou-me
um amigo que trabalhou na Prefeitura, setor de contabilidade, em 1955,após ter
dado baixo do quartel. Filho de São Vicente do Sul, nas folgas, meu amigo
passou a examinar os papéis da
inauguração da cidade de Itaqui (1). Onde falava da apossada (2), quer referia-se a dona Donana Arques da Luz.
Ela
invadiu em 1835 o território itaquiense pra
caçar feras, fazer charques(3).
Donana
deixava o navio (4) na costa do rio
Uruguai e vinha entrando com um pequeno grupo de pessoas, formado por ela, o
marido e os empregados. Muito rica e inteligente, dona Donana trazia ouro e dava aos bugres (5), em
troca eles caçavam para ela.
Carregava
o navio grande, ia e vinha até Itaqui. Assim funcionou até a Guerra dos
Farrapos, onde perdeu o marido e os peões. Depois desta perda, ela só retornou
a Itaqui quando o Brasil tinha liberado
as divisas Brasil e Argentina, no dia 6 de dezembro de 1858 (6).
Quando
Itaqui foi emancipada, a pedido de
Donana Arques da Luz (7), em homenagem ao local onde nasceu na França, esta
terra passou a denominar-se São Patrício.
Fizeram
as vontades dela, que viveu caçando 23 anos na costa do rio ao Torrion (8),
onde tinha casebre feito com pau ferro
(9).
Em
1858 (10), ela deixou muito ouro
enterrado por aí.
De
Itaqui, Donana saiu atropelada e sem marido. “O amigo me emprestou o livro pra
copiar este texto em 1965.”
Matéria
publicada no Jornal Nossa Época, de Itaqui, RS, edição do dia 6 de dezembro de
2003, por ocasião do aniversário do município, assinada pelo leitor José Viário, morador na rua Luizinha Aranha,
2337.
Algumas
considerações se impõem:
(1) Nunca
soube que havia papéis exclusivos sobre a inauguração da cidade, no caso o
termo correto seria Vila. Esses papéis, acredita-se, seriam do processo de
emancipação;
(2) Tampouco
tinha conhecimento dessa pessoa como “apossada”. Tomaria posse de quê? Pelo que
se percebe, ela vinha caçar;
(3) Ela teria invadido Itaqui no ano que inicia a Revolução Farroupilha para caçar
feras e fazer charque. O charque sempre, desde a formação do nosso estado, foi
exclusividade da carne bovina que existia em grande quantidade e fazia parte da
alimentação das pessoas daquele período. Charque de carne de feras!? Isso é uma
novidade sem par. Além do mais, em 1835 não se tem notícia de que nosso
território tivesse muitas feras;
(4) Deixava
o “navio”. Na verdade devia ser algum barco de grande calado, uma barcaça, que
não dava vau para atracar, precisando ficar no meio do rio;
(5) O
fato dela trazer ouro e dar aos bugres, isso é de uma sandice inimaginável.
Primeiro porque nesse período não havia bugres em Itaqui. Havia alguns
remanescentes dos guaranis cristianizados espalhados entre La Cruz, Yapeju,
Santo Tomé e São Borja e alguns charruas pelo lado do Uruguai, que
eventualmente pudessem transitar pelo território, mas bugres, não! Além do
mais, os índios não aculturados não se prestavam para esse tipo de troca: feras
por ouro;
(6) O
dia citado é da emancipação de Itaqui. Não há qualquer informação de que as
divisas do Brasil e Argentina estavam fechadas nesse período;
(7) Donana
teria pedido para emancipar Itaqui, quando se sabe que tal obra é do Juiz
Hemetério José Velloso da Silveira. O nome Donana Arques da Luz não parece
proceder da França. O nome de São Patrício ainda não se sabe bem quais suas
justificativas para implantação aqui. Ainda precisamos de mais dados, porém
acho improvável ser apenas autoria dessa senhora tal proposição;
(8) Esta
costa do “Torrion”, sinceramente não consigo divisar tal localidade. Confesso que
gostaria de saber;
(9) O
texto fala que nesta costa ela tinha “casebre de pau ferro.” Mas como? A narrativa
fala que ela era muito rica! Uma senhora de muito ouro, muito rica, vivendo num
casebre?!
(10) Esse
fato dela deixar muito ouro enterrado, isso deixamos para o plano do folclore,
do fantástico e do imaginário que são os elementos que alimentam os registros
do passado desconhecido.
(11) Não teve referência alguma, ao longo de nossa pesquisa, ao nome dessa senhora como recebedora de terra .
Ainda
que tenha todas essas ressalvas, este texto é interessante. Tem informações
possíveis e parece repleto de confusões e distorções. A pesquisa histórica
ajuda a reorganizar dados e colocar o trem da história dentro do seu trilho
correto. Mesmo que 90% dessa narrativa seja inverossímil, os 10 que sobram dão
pano para manga a interessantes divagações. Esta personagem nunca encontrei
qualquer referência, nunca!
Junto
com a cronologia dos fatos e personalidades, tem-se o lado pitoresco da história.
Relatos inusitados e curiosidades. Isso tudo marcado pelos relógios solares dos
missioneiros do Rincão da Cruz, hoje investigados pelos povoeiros modernos. É a
história!
Bah! Dava um filme.
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