terça-feira, 15 de setembro de 2020

As primeiras décadas do século XX no Itaqui Grande do Sul!

 

PRIMEIRAS DÉCADAS DE UM CONVULSIVO INÍCIO DE SÉCULO NO RINCÃO DA CRUZ -  ITAQUI GRANDE DO SUL!

Prof.º Paulo Santos

Mal inicia o século XX e grassavam acontecimentos das mais diversas tonalidades no Itaqui que ensaiava tímidos passos rumo à modernidade.

Concretizada a República, os caciques povoeiros arregimentam forças e vão polarizando as ações coletivas e sociais. No ano de 1900, falecia o Coronel Felipe Nery de Aguiar, primeiro intendente, nomeado, do município de Itaqui. O reduto republicano sente a perda deste importante líder político e militar.

Coronel Felipe Nery de Aguiar - 1.º intendente de Itaqui

No período de 1904 a 1908 assume o comando dos republicanos, como intendente, o célebre Dr.º Tito Corrêa Lopes, um dublê de administrador, arquiteto e político. Observa-se, muito claramente, que Tito elencou um projeto de modernização da cidade bastante ambicioso para o período. Contrata Pascual Minoggio, um dos mais destacados arquitetos e tocador de obras do Itaqui, dando-lhe devidos poderes e desanda em projetos. Calça ruas, urbaniza adequadamente a cidade, incentiva a construção de casas suntuosas no centro. Pensa Itaqui diferente dos povoados esquecidos neste longínquo rincão.

Idealiza e constrói o Mercado Público de Itaqui, cuja fundação deu-se em 7 de setembro de 1909 – um megainvestimento, digamos. Objetivava transacionar todo comércio  da cidade e, junto, atrair a movimentação de barcos que faziam o intercâmbio de mercadorias via rio Uruguai, juntamente com o advento do Saladeiro São Felipe, dos ingleses. A ideia era trazer a movimentação desta empresa e explorá-la no novo mercado. De boas intenções, o céu estava cheio! Não deu muito certo! O antigo magistrado Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira o critica, insinuando que mesmo que Itaqui comercializasse tudo o que ela produzia, mesmo assim, não ocuparia nem a metade dele. Visão de empreender, investimento de risco, tudo conspirava a favor em dado momento, e contra, noutro.

O Saladeiro dos Dickinson surge em 1910 e permanece até por volta de 1927 com movimentação de compra de gado e abate elevadíssima, exportando para fora do país, inclusive. Tinha embarcações próprias e um pequeno porto. A produção saía direto da sede e não passava pelo mercado.

Em 1900, no advento daquele século, Itaqui contava com cerca de dez mil habitantes, um terço aproximado da população de hoje.

Em 1902 até um duelo aconteceu na florescente povoação. Um marinheiro da Flotilha, desconfiado que sua saliente amada andava de amores com outro, desafia-o para um duelo. Um oficial consentiu e serviu de mediador. Os contendores batem-se num duelo desigual. Espadas em riste, pouca técnica, nenhum resultado satisfatório, apenas ferimentos ocasionais culminou o inusitado duelo no alvorecer do século XX. O inusitado à luz dos novos tempos!

No final de 1904, o Dr.º Aureliano Pinto Barbosa, uma das figuras mais representativas da história itaquiense teve seu mandato cassado. Primeiro, pela instância municipal, depois referendado pelo Supremo Tribunal. Humores da política da época. Era republicano, depois virou federalista.

1904 – tensões à flor da pele! Dia 18 de agosto, alguns homens armados de espingardas invadem o jornal O Farol, de José dos Santos Loureiro e o empastelam. Destruíram o que puderam e deixaram claro, a mando de alguém, queriam, por certo, silenciar certas posições políticas do lugar.

Documento da Marinha brasileira, em data de 26 de novembro de 1906, extingue a fluorescente Flotilha do Alto Uruguai, fina flor da cultura naval brasileira na costa do Uruguai, embicada próxima à foz do arroio Cambaí. Três décadas encerravam um ciclo. Itaqui perdia luminosidade no cenário estratégico fronteiriço. 40 anos de uma unidade da Marinha de Guerra nestas plagas. Unidade onde serviram um Saldanha da Gama, um Francisco Duarte da Costa Vidal, Estanislau Przewodowski entre outros.

Coisas estranhas aconteciam no Itaqui  - debutando no século XX – dia 11 de fevereiro de 1908, pasmem, o “minhocão” surge nas águas revoltas do rio Uruguai próximo ao cais do porto, em início de construção. Um estranho animal perto de dez metros com corpo mais grosso que um touro, cabeça em formato de cobra, cauda semelhante a de um cavalo. Pelo relato do jornal A Ordem de Itaqui, havia mais de 40 pessoas que assistiram este misterioso fenômeno. Ilustração de Gracco Bonetti, a nosso pedido, sobre a aparição do referido monstro no cais do porto de Itaqui.


Alaridos, conversas obtusas, projetos de busca de dinamite para matar o monstro! Coisas estranhas no alvorecer do século. Folclore? Que nada! Reportagem de jornal e tal!

Depois, mortes violentas de personalidades locais, ingerências políticas, clãs poderosas, retaliações...enfim...

Em 8 de outubro de 1914, o advogado Bolivar Pinto Barbosa é assassinado pelo Dr.º Otávio de Ávila, na intendência, hoje Prefeitura, por questões de trabalhos advocatícios. Era intendente, o Coronel Euclides Aranha, pai do famoso Dr.º Osvaldo Aranha. Bolivar e Àvila eram advogados e defendiam causas entre clientes conhecidos na comunidade. A repercussão foi estrondosa. O governo do Estado providenciou no inquérito e investigação de forma muito contenciosa, pois Ávila era filho de um falecido ministro, presidente de província e senador do Império, e por ser deputado provincial e ter algum destaque econômico no cenário local também.

No mesmo ano, dia 26 de abril, outro advogado, amigo íntimo do futuro presidente da República, Getúlio Vargas, de nome Armando Porto Coelho, assassinou a Setembrino Vitorino, moço ainda. O crime, confessadamente, foi passional. Porto Coelho troca intensa correspondência com Getúlio Vargas, então um célebre advogado, confessando os motivos.

1918 – ano da gripe espanhola. Mais de 1.400 pessoas morrem em Itaqui. Dr.º Roque Degrazia é nomeado Diretor de Higiene, ficando na linha de frente de enfrentamento da pandemia e seus reflexos na cidade. Entre as vítimas, a esposa do fazendeiro Ismael Floriano Machado Fagundes, senhora Laudelima Figueiredo Floriano Machado. No mesmo ano, o Major Antonio Duarte da Costa Vidal compra o Chalé dos Barbosa, cuja planta é atribuída a Pascual Minoggio,  e grande parte de campos na Fazenda Santa Maria, na costa do Ibicuí. Segmentos da elite negociam patrimônios, outros são elevados a holofotes mais vibrantes na ascensão social.

Dia 15 de maio de 1920 é assassinado Ismar Floriano Machado, filho, jovem ainda, do fazendeiro Ismael Floriano. As más línguas atribuíam a Ávila a ordem para tal execução, visto que o dito cujo envolvera-se em diversos enfrentamentos com a polícia local, provocando e fazendo badernas públicas.

Ismar Assis Machado Floriano - filho de Ismael Floriano, morto pela polícia de Ávila

22 de julho de 1920, uma emboscada a mando de membro da família Floriano pôs fim à vida do intendente Otávio de Ávila. Vingança pela morte do filho Ismar, vingança pela morte de Bolivar Barbosa, amigo da família. Cobranças. Tudo feito à bala! No velho estilo caudilhesco.

Dr.º Otávio de Avila - intendente assassinado de emboscada em 1920

Um ano após, 1921, o patriarca Ismael Floriano Machado Fagundes falece e a família começa a esfacelar-se. Ressentimentos. Vinganças. Justiça tentando encontrar culpados e ou inocentes. Gente poderosa a serviço de um ou de outro. Flores da Cunha, Getúlio Vargas entre outros notáveis defenderam esse povo.

Observem, então, somente nestas duas décadas dos primórdios do século quanta efervescência no caldeirão político-social de Itaqui.

Questões de honra, cobranças, padrões comportamentais de então. Curiosidades inusitadas. Posturas éticas compatíveis à elite pastoril, vínculos rompidos, alianças preservadas. Continuidades. Preservação do status quo da sociedade fronteiriça naqueles distantes anos quando começavam a germinar sementes progressistas.

A pacata cidadezinha missioneira, de pouco mais de 10 mil pacatos habitantes, vê-se entre o espanto e o terror. Intrigas políticas resolvidas no fio da navalha e no estrondo da winchester. Homens de casaca e fraque, mulheres vestidas ao rigor da moda vitoriana, recatadas e sóbrias, moleques calças-curtas correndo nas poeirentas ruas do povoado.

Tudo...tudo...tudo combinando com um cenário típico de uma distante cidade fronteiriça, longe das capitais, entretanto contrastando com o rigor realístico de um enredo pós-moderno: muitas vidas ceifadas, famílias destruídas, histórias encurtadas. Enfim, 20 anos bem vividos. Belo material para roteiristas e historiadores, agora ofertados aos contemporâneos habitantes do “Portal do Rio Grande”, nossa querida Itaqui!

 

 

 

 

 

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