PRIMEIRAS DÉCADAS DE UM CONVULSIVO INÍCIO
DE SÉCULO NO RINCÃO DA CRUZ - ITAQUI
GRANDE DO SUL!
Prof.º Paulo Santos
Mal
inicia o século XX e grassavam acontecimentos das mais diversas tonalidades no
Itaqui que ensaiava tímidos passos rumo à modernidade.
Concretizada
a República, os caciques povoeiros arregimentam forças e vão polarizando as
ações coletivas e sociais. No ano de 1900,
falecia o Coronel Felipe Nery de Aguiar,
primeiro intendente, nomeado, do município de Itaqui. O reduto republicano
sente a perda deste importante líder político e militar.
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Coronel Felipe Nery de Aguiar - 1.º intendente de Itaqui |
No
período de 1904 a 1908 assume o
comando dos republicanos, como intendente, o célebre Dr.º Tito Corrêa Lopes, um dublê de administrador, arquiteto e
político. Observa-se, muito claramente, que Tito elencou um projeto de
modernização da cidade bastante ambicioso para o período. Contrata Pascual Minoggio, um dos mais
destacados arquitetos e tocador de obras do Itaqui, dando-lhe devidos poderes e
desanda em projetos. Calça ruas, urbaniza adequadamente a cidade, incentiva a
construção de casas suntuosas no centro. Pensa Itaqui diferente dos povoados
esquecidos neste longínquo rincão.
Idealiza
e constrói o Mercado Público de Itaqui,
cuja fundação deu-se em 7 de setembro de
1909 – um megainvestimento, digamos. Objetivava transacionar todo comércio
da cidade e, junto, atrair a
movimentação de barcos que faziam o intercâmbio de mercadorias via rio Uruguai,
juntamente com o advento do Saladeiro
São Felipe, dos ingleses. A ideia era trazer a movimentação desta empresa e
explorá-la no novo mercado. De boas intenções, o céu estava cheio! Não deu
muito certo! O antigo magistrado Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira o
critica, insinuando que mesmo que Itaqui comercializasse tudo o que ela
produzia, mesmo assim, não ocuparia nem a metade dele. Visão de empreender,
investimento de risco, tudo conspirava a favor em dado momento, e contra,
noutro.
O
Saladeiro dos Dickinson surge em 1910 e permanece até por volta de 1927 com movimentação de compra de gado
e abate elevadíssima, exportando para fora do país, inclusive. Tinha
embarcações próprias e um pequeno porto. A produção saía direto da sede e não
passava pelo mercado.
Em
1900, no advento daquele século, Itaqui
contava com cerca de dez mil habitantes, um terço aproximado da população de
hoje.
Em
1902 até um duelo aconteceu na
florescente povoação. Um marinheiro da Flotilha, desconfiado que sua saliente
amada andava de amores com outro, desafia-o para um duelo. Um oficial consentiu
e serviu de mediador. Os contendores batem-se num duelo desigual. Espadas em
riste, pouca técnica, nenhum resultado satisfatório, apenas ferimentos
ocasionais culminou o inusitado duelo no alvorecer do século XX. O inusitado à
luz dos novos tempos!
No
final de 1904, o Dr.º Aureliano Pinto Barbosa, uma das
figuras mais representativas da história itaquiense teve seu mandato cassado.
Primeiro, pela instância municipal, depois referendado pelo Supremo Tribunal.
Humores da política da época. Era republicano, depois virou federalista.
1904 –
tensões à flor da pele! Dia 18 de agosto,
alguns homens armados de espingardas invadem o jornal O Farol, de José dos Santos
Loureiro e o empastelam. Destruíram o que puderam e deixaram claro, a mando
de alguém, queriam, por certo, silenciar certas posições políticas do lugar.
Documento
da Marinha brasileira, em data de 26 de
novembro de 1906, extingue a fluorescente Flotilha do Alto Uruguai, fina flor da cultura naval brasileira na
costa do Uruguai, embicada próxima à foz do arroio Cambaí. Três décadas encerravam um ciclo. Itaqui perdia
luminosidade no cenário estratégico fronteiriço. 40 anos de uma unidade da
Marinha de Guerra nestas plagas. Unidade onde serviram um Saldanha da Gama, um Francisco
Duarte da Costa Vidal, Estanislau Przewodowski entre outros.
Coisas estranhas aconteciam no Itaqui - debutando no século XX – dia 11 de fevereiro de 1908, pasmem, o “minhocão” surge nas águas revoltas do rio Uruguai próximo ao cais do porto, em início de construção. Um estranho animal perto de dez metros com corpo mais grosso que um touro, cabeça em formato de cobra, cauda semelhante a de um cavalo. Pelo relato do jornal A Ordem de Itaqui, havia mais de 40 pessoas que assistiram este misterioso fenômeno. Ilustração de Gracco Bonetti, a nosso pedido, sobre a aparição do referido monstro no cais do porto de Itaqui.
Alaridos,
conversas obtusas, projetos de busca de dinamite para matar o monstro! Coisas
estranhas no alvorecer do século. Folclore? Que nada! Reportagem de jornal e
tal!
Depois,
mortes violentas de personalidades locais, ingerências políticas, clãs
poderosas, retaliações...enfim...
Em
8 de outubro de 1914, o advogado Bolivar Pinto Barbosa é assassinado pelo Dr.º
Otávio de Ávila, na intendência, hoje Prefeitura, por questões de trabalhos
advocatícios. Era intendente, o Coronel
Euclides Aranha, pai do famoso Dr.º
Osvaldo Aranha. Bolivar e Àvila eram advogados e defendiam causas entre
clientes conhecidos na comunidade. A repercussão foi estrondosa. O governo do
Estado providenciou no inquérito e investigação de forma muito contenciosa,
pois Ávila era filho de um falecido ministro, presidente de província e senador
do Império, e por ser deputado provincial e ter algum destaque econômico no
cenário local também.
No
mesmo ano, dia 26 de abril, outro
advogado, amigo íntimo do futuro presidente da República, Getúlio Vargas, de
nome Armando Porto Coelho,
assassinou a Setembrino Vitorino,
moço ainda. O crime, confessadamente, foi passional. Porto Coelho troca intensa
correspondência com Getúlio Vargas, então um célebre advogado, confessando os
motivos.
1918 –
ano da gripe espanhola. Mais de
1.400 pessoas morrem em Itaqui. Dr.º
Roque Degrazia é nomeado Diretor de Higiene, ficando na linha de frente de
enfrentamento da pandemia e seus reflexos na cidade. Entre as vítimas, a esposa
do fazendeiro Ismael Floriano Machado
Fagundes, senhora Laudelima
Figueiredo Floriano Machado. No mesmo ano, o Major Antonio Duarte da Costa Vidal compra o Chalé dos Barbosa, cuja planta é atribuída a Pascual Minoggio, e grande parte de campos na Fazenda Santa
Maria, na costa do Ibicuí. Segmentos da elite negociam patrimônios, outros são
elevados a holofotes mais vibrantes na ascensão social.
Dia
15 de maio de 1920 é assassinado Ismar Floriano Machado, filho, jovem
ainda, do fazendeiro Ismael Floriano. As más línguas atribuíam a Ávila a ordem
para tal execução, visto que o dito cujo envolvera-se em diversos
enfrentamentos com a polícia local, provocando e fazendo badernas públicas.
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Ismar Assis Machado Floriano - filho de Ismael Floriano, morto pela polícia de Ávila |
22 de julho de 1920, uma
emboscada a mando de membro da família Floriano pôs fim à vida do intendente Otávio de Ávila. Vingança
pela morte do filho Ismar, vingança pela morte de Bolivar Barbosa, amigo da
família. Cobranças. Tudo feito à bala! No velho estilo caudilhesco.
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Dr.º Otávio de Avila - intendente assassinado de emboscada em 1920 |
Um
ano após, 1921, o patriarca Ismael Floriano Machado Fagundes
falece e a família começa a esfacelar-se. Ressentimentos. Vinganças. Justiça
tentando encontrar culpados e ou inocentes. Gente poderosa a serviço de um ou
de outro. Flores da Cunha, Getúlio Vargas entre outros notáveis defenderam esse
povo.
Observem,
então, somente nestas duas décadas dos primórdios do século quanta efervescência
no caldeirão político-social de Itaqui.
Questões
de honra, cobranças, padrões comportamentais de então. Curiosidades inusitadas.
Posturas éticas compatíveis à elite pastoril, vínculos rompidos, alianças
preservadas. Continuidades. Preservação do status quo da sociedade fronteiriça
naqueles distantes anos quando começavam a germinar sementes progressistas.
A
pacata cidadezinha missioneira, de pouco mais de 10 mil pacatos habitantes,
vê-se entre o espanto e o terror. Intrigas políticas resolvidas no fio da
navalha e no estrondo da winchester. Homens de casaca e fraque, mulheres
vestidas ao rigor da moda vitoriana, recatadas e sóbrias, moleques
calças-curtas correndo nas poeirentas ruas do povoado.
Tudo...tudo...tudo
combinando com um cenário típico de uma distante cidade fronteiriça, longe das
capitais, entretanto contrastando com o rigor realístico de um enredo
pós-moderno: muitas vidas ceifadas, famílias destruídas, histórias encurtadas.
Enfim, 20 anos bem vividos. Belo material para roteiristas e historiadores,
agora ofertados aos contemporâneos habitantes do “Portal do Rio Grande”, nossa querida Itaqui!
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