sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

O Minhocão de Itaqui

                      O Minhocão de Itaqui:  o limite entre o real e o imaginário!

Prof.º Paulo Santos

O limite entre o real e o imaginário, às vezes, é uma tênue e diáfana linha. Um fato por demais inusitado aconteceu no nascedouro do século XX, no distante e pacato vilarejo de São Patrício de Itaqui, nas margens e leito do caudaloso rio Uruguai. Uns dirão que é verdade; outros, pura ilusão!

Corria o ano de 1905 sob o comando do operoso intendente Dr.º Tito Corrêa Lopes. Começavam as obras do porto local, projetadas desde 1904. Na verdade, a ideia era da construção de um muro de contenção, uma fortaleza, como eles denominavam na época, bem na margem do rio. Dirigia os trabalhos, o célebre arquiteto Paschoal Minoggio e tendo Camilo Serres como chefe de turmas. O cais seria edificado no final da rua 7 de Setembro, atual Independência. Importante frisar que não seria o porto atual. As obras do governo Tito tiveram certa duração, com o tempo e as forças das águas, desabaram. Contemporaneamente, aconteceu a construção do cais no formato pelo qual todos conhecem.

E neste pacato e insólito ambiente, as pessoas que circundavam as margens do rio foram surpreendidas por uma aparição medonha. Um monstro assustador, de tamanho descomunal, próximo à barranca do rio emerge das águas. 

Imagem criada por Gracco Bonetti


A notícia fora dada pelo Jornal A Ordem, de Itaqui, um periódico de orientação republicana. As informações assustam pelas particularidades descritivas, são muitos dados verídicos mesclados com pitadas de exagero e mistificação.

Mais tarde, o Almanack Litterario e Estatístico do Rio Grande do Sul, edição n.º 20, página 24/277, do ano de 1908, reproduz no mês de fevereiro esta notícia. Um pouco antes, em 09.05.1906, o Jornal A Notícia, do Paraná, edição n.º 155, página 2, editava o mesmo texto. O imponderável se consolida. Um misto de ceticismo e credulidade. Assomos de espantos pululam nas retinas nervosas daqueles incrédulos ribeirinhos de então.

O jornal informa que desde o início dos trabalhos de construção do cais, ano de 1905, um monstro aparecia nas águas, ainda que de maneira submersa. Eis que num determinado dia, ele resolve mostrar-se. Próximo da segunda barranca do rio, onde segundo o jornal, a profundidade era de 17 braças (uma medida antiga equivalente a 2,20 m) o que equivaleria a 37,40 m, pois nesse ponto, o bicho já tinha aparecido.

Sem detalhes de dia e mês, entretanto, com a indicação de que o ano era 1905. O periódico é fértil em detalhes.

Primeiramente, as pessoas viam a água ferver e enormes bolhas de ar vinham à tona. Ato seguinte, formavam-se grandes ondulações num raio de muitos metros. Em princípio fracas, para mais tarde tornarem-se ondas potentes.

O monstro surge num entardecer. Numa parte da muralha em construção estavam o construtor Paschoal Minoggio, o chefe de obras, Camilo Serres, sr.º Alfredo Lenzi, um despachante, filho do imigrante espanhol Ignacio Lenzi e um pequeno grupo de mulheres e crianças. Um pouco abaixo, junto ao rio, aproximadamente 30 trabalhadores lavavam-se, já preparando-se para o final do dia.

Diante da visão de mais de 40 pessoas, mais ou menos, o bicho decide dar a cara! E que cara! A água ferve, como outrora acontecia e, dessa ebulição, emerge uma cabeça monstruosa.

Detalhes assombrosos e mirabolantes, diriam. O jornal cita que a cabeça era semelhante a uma grande cobra, coberta de pelos enormes, quatro vezes maior do que a de um cavalo. O monstro abriu a boca e deu um enorme bufo dando um salto na água.

Ao saltar, os espectadores puderam ver as dimensões do suposto animal. De acordo com a reportagem, o corpo era mais grosso do que um touro e media, a la pucha!, uns dez metros de comprimento. Tinha a cauda semelhante a de um cavalo e o formato de uma cobra gigantesca.

O chefe dos trabalhadores, Camilo Serres, assustado, teria caído, machucando a cabeça. Uma senhora, de nome Maria, esposa do sr.º Syilvio Escobar, passou mal, vindo a abortar um filho que carregava no ventre. Em consequência da hemorragia, viria a falecer três horas depois.

O grupo de senhoras e crianças que estava na barranca do rio sobe esbaforido, gritando desesperadas. Uma confusão sem par.

O texto do jornal informa que as autoridades locais tencionavam providenciar em “bombas de dinamite” para eliminar tão medonha criatura.

A lenda se caracteriza, muitas vezes, pela transfiguração do real e pelo aumento significativo do elemento figurado. O exagero toma lugar do racional e a riqueza de figuras e alegorias torna o enredo tão real, que chega-se a acreditar que é verdadeiro aquilo que verdadeiro não é. Esta notícia foi publicada em jornal que existiu em Itaqui. As pessoas citadas, todas eram conhecidas do passado itaquiense e quase todas têm descendentes ainda hoje. A riqueza de detalhes assusta. Nos dias de hoje, muitos moradores da costa do Uruguai juram que já viram o “Minhocão" em alguma pescaria ou numa travessia de chalana ou mesmo caminhando pelas barrancas do rio. Um  monstro que mora num túnel que começa embaixo do cais do porto e termina na torre da igreja matriz de São Patrício. E digam que é mentira!

Eu prefiro acreditar nos versos de Mário Barbará Dorneles:

“Quem viu duvida que viu,

Quem pensa que viu não viu”

 

 

O Minhocão de Itaqui

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