O Minhocão de Itaqui: o limite entre o real e o imaginário!
Prof.º Paulo Santos
O
limite entre o real e o imaginário, às vezes, é uma tênue e diáfana linha. Um fato
por demais inusitado aconteceu no nascedouro do século XX, no distante e pacato
vilarejo de São Patrício de Itaqui, nas margens e leito do caudaloso rio
Uruguai. Uns dirão que é verdade; outros, pura ilusão!
Corria
o ano de 1905 sob o comando do operoso intendente Dr.º Tito Corrêa Lopes. Começavam
as obras do porto local, projetadas desde 1904. Na verdade, a ideia era da
construção de um muro de contenção, uma fortaleza, como eles denominavam na
época, bem na margem do rio. Dirigia os trabalhos, o célebre arquiteto Paschoal
Minoggio e tendo Camilo Serres como chefe de turmas. O cais seria edificado no
final da rua 7 de Setembro, atual Independência. Importante frisar que não
seria o porto atual. As obras do governo Tito tiveram certa duração, com o
tempo e as forças das águas, desabaram. Contemporaneamente, aconteceu a
construção do cais no formato pelo qual todos conhecem.
E neste pacato e insólito ambiente, as pessoas que circundavam as margens do rio foram surpreendidas por uma aparição medonha. Um monstro assustador, de tamanho descomunal, próximo à barranca do rio emerge das águas.
Imagem criada por Gracco Bonetti |
A notícia fora dada
pelo Jornal A Ordem, de Itaqui, um periódico de orientação republicana. As informações
assustam pelas particularidades descritivas, são muitos dados verídicos
mesclados com pitadas de exagero e mistificação.
Mais
tarde, o Almanack Litterario e Estatístico do Rio Grande do Sul, edição n.º 20,
página 24/277, do ano de 1908, reproduz no mês de fevereiro esta notícia. Um pouco
antes, em 09.05.1906, o Jornal A Notícia, do Paraná, edição n.º 155, página 2,
editava o mesmo texto. O imponderável se consolida. Um misto de ceticismo e
credulidade. Assomos de espantos pululam nas retinas nervosas daqueles
incrédulos ribeirinhos de então.
O jornal
informa que desde o início dos trabalhos de construção do cais, ano de 1905, um
monstro aparecia nas águas, ainda que de maneira submersa. Eis que num
determinado dia, ele resolve mostrar-se. Próximo da segunda barranca do rio,
onde segundo o jornal, a profundidade era de 17 braças (uma medida antiga
equivalente a 2,20 m) o que equivaleria a 37,40 m, pois nesse ponto, o bicho já
tinha aparecido.
Sem detalhes
de dia e mês, entretanto, com a indicação de que o ano era 1905. O periódico é
fértil em detalhes.
Primeiramente,
as pessoas viam a água ferver e enormes bolhas de ar vinham à tona. Ato seguinte,
formavam-se grandes ondulações num raio de muitos metros. Em princípio fracas,
para mais tarde tornarem-se ondas potentes.
O monstro surge num entardecer. Numa parte da muralha em construção estavam o construtor Paschoal Minoggio, o chefe de obras, Camilo Serres, sr.º Alfredo Lenzi, um despachante, filho do imigrante espanhol Ignacio Lenzi e um pequeno grupo de mulheres e crianças. Um pouco abaixo, junto ao rio, aproximadamente 30 trabalhadores lavavam-se, já preparando-se para o final do dia.
Diante
da visão de mais de 40 pessoas, mais ou menos, o bicho decide dar a cara! E que
cara! A água ferve, como outrora acontecia e, dessa ebulição, emerge uma cabeça
monstruosa.
Detalhes assombrosos e mirabolantes, diriam. O jornal cita que a cabeça era
semelhante a uma grande cobra, coberta de pelos enormes, quatro vezes maior do
que a de um cavalo. O monstro abriu a boca e deu um enorme bufo dando um salto
na água.
Ao saltar,
os espectadores puderam ver as dimensões do suposto animal. De acordo com a
reportagem, o corpo era mais grosso do que um touro e media, a la pucha!, uns
dez metros de comprimento. Tinha a cauda semelhante a de um cavalo e o formato
de uma cobra gigantesca.
O chefe
dos trabalhadores, Camilo Serres, assustado, teria caído, machucando a cabeça. Uma
senhora, de nome Maria, esposa do sr.º Syilvio Escobar, passou mal, vindo a
abortar um filho que carregava no ventre. Em consequência da hemorragia, viria
a falecer três horas depois.
O grupo
de senhoras e crianças que estava na barranca do rio sobe esbaforido, gritando
desesperadas. Uma confusão sem par.
O texto
do jornal informa que as autoridades locais tencionavam providenciar em “bombas
de dinamite” para eliminar tão medonha criatura.
A lenda
se caracteriza, muitas vezes, pela transfiguração do real e pelo aumento
significativo do elemento figurado. O exagero toma lugar do racional e a
riqueza de figuras e alegorias torna o enredo tão real, que chega-se a
acreditar que é verdadeiro aquilo que verdadeiro não é. Esta notícia foi
publicada em jornal que existiu em Itaqui. As pessoas citadas, todas eram
conhecidas do passado itaquiense e quase todas têm descendentes ainda hoje. A riqueza
de detalhes assusta. Nos dias de hoje, muitos moradores da costa do Uruguai
juram que já viram o “Minhocão" em alguma pescaria ou numa travessia de
chalana ou mesmo caminhando pelas barrancas do rio. Um monstro que mora num túnel que começa embaixo
do cais do porto e termina na torre da igreja matriz de São Patrício. E digam
que é mentira!
Eu prefiro
acreditar nos versos de Mário Barbará Dorneles:
“Quem
viu duvida que viu,
Quem
pensa que viu não viu”