Um duelo às cegas no alvorecer do Século
XIX no Itaqui Grande do Sul
Prof.º
Paulo Santos
No
distante ano de 1902, primórdios do Século XIX, transcorria modorrenta e
insípida a vida costeira neste rincão. Algumas matronas espreitavam nas janelas a espiar um garboso trote de algum gaúcho que cruzava as poeirentas vias do
Itaqui.
Silêncios
tantos. A existência grassava a passos de lesma. Muita calmaria no pacato
vilarejo ribeirinho.
E
na costa do “rio dos caracóis”, a outrora reluzente Flotilha do Alto Uruguai.
Era
visível a constatação de que só restavam barcos velhos, encouraçados,
canhoneiras, que se achavam em serviço desde a Guerra do Paraguai.
Frontaria da antiga oficina da Flotilha, de autoria do artista itaquiense Gracco Bonetti |
Oito
anos atrás, a Canhoneira Vidal de Negreiros e a Escuna América tinham sofrido
forte tiroteio por parte dos revolucionários federalistas. Os mesmos,
emboscados, no mato, mandaram “bala e bala” nas naves da Flotilha. Coisa feia!
Fizeram vários furos na blindagem das mesmas, chegando a ultrapassar uma grossa
chapa de ferro. Inclusive, teve marinheiros feridos. A tripulação destes barcos
revidou com metralha e canhões.Tempos negros da Revolução Federalista, a da degola!
As
críticas a esse arsenal de Marinha, em nossa fronteira, eram contundentes. Notícias
vindas dos jornais do centro do país davam conta da pressão política para
extinção da unidade. Apregoavam que os marinheiros vinham para passear e fazer
bons casamentos. Que o ostracismo da vida fronteiriça rio-grandense era
exacerbado.
Que
a Flotilha não tinha naves de guerra nem pessoal habilitado para fazer frente a
nenhum ataque estrangeiro. Que a maior parte do tempo, as canhoneiras,
encouraçados, barcaças e outros embarcações ficavam encalhados na margem do Uruguai,
na boca ou na bacia do arroio Cambaí. Por serem de grande calado, não reuniam
condições de navegar em todo curso do rio Uruguai, somente sendo possível nas
grandes cheias, quando os saltos, ao longo do rio, ficavam abaixo da
correnteza, dando passagem às embarcações.
O
Capitão-Tenente João Paraguassu era secretário e ajudante de ordens da Flotilha
do Alto Uruguai, em 1902. Em matéria do Jornal Correio da manhã, RJ, edição
15906, de 10/09/1946, à página 15, ele relembra um episódio assaz curioso e
inusitado na Flotilha: um duelo nos confins do mundo – Itaqui, 1902.
Num
misto de culpa e cumplicidade, o ex-secretário detalha as nuances do duelo.
Anos
1900 – estranho haver duelo!
Um
marinheiro, jovem ainda, namorador ao extremo e ciumento, na mesma proporção,
andava de amores com uma moça da zona do Serro. Parte alta da cidade de Itaqui,
zona da pedra, talvez não a pedra grês, a pedra “Itaqui”.
Relação
sinuosa, viviam de entreveros, separações, brigas e ciúmes.
Numa
feita, soube da amada com outro num baile. A coisa encrespou! Os fios do bigode
eram os guardiões da honra e da masculinidade impoluta. Dedos em riste. Desacatos
e uma certeza – duelo marcado!
Sem “mimimi”, ali se resolvia na ponta da adaga....ou da espada!
Sem “mimimi”, ali se resolvia na ponta da adaga....ou da espada!
A
honra era fundamento inconteste.
O
marinheiro requisitante pede a intercessão do Capitão-Tenente. Este, meio a
contragosto, aceita.
Marcam
o dia e a hora. Cada um lustrou a espada.
Mediram
a distância.
O oficial faz uma contagem simbólica, bate palmas e ordena o combate.
O oficial faz uma contagem simbólica, bate palmas e ordena o combate.
Imaginemo-la,
uma cena aos moldes medievais, digna de combates épicos.
Que
nada!
Os
contendores eram valentes, mas pouco entendiam de esgrima.
Parecia um duelo de cegos, porque batiam a torto e a direito. Um acertou o rim do outro, que revidou com um golpe no nariz do mesmo, quase decepando-o.
Parecia um duelo de cegos, porque batiam a torto e a direito. Um acertou o rim do outro, que revidou com um golpe no nariz do mesmo, quase decepando-o.
Nesse
ponto, acudiu o médico da Flotilha e o duelo deu-se por encerrado.
Honra
desagravada? Não se sabe.
Talvez
a moçoila seguisse de baile em baile longe do galego marinheiro. São flashes do
passado, inusitados à luz de nosso tempo, mas consistentes em suas razões.
Afinal – o passado sempre imita a passado.
Quatro anos mais tarde,a Flotilha é extinta. Hoje, contemporâneos cidadãos visitam aquele sítio, sem o mesmo garbo, sem a mesma luzidia, sem a flegma aristocrática da monarquia, sem os românticos tons do passado glorioso.
postal por volta de 1908-1910, quando as instalações eram ocupadas pelo Exército |
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