quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Um duelo às cegas no alvorecer do Sec. XIX no Itaqui Grande do Sul!


Um duelo às cegas no alvorecer do Século XIX no Itaqui Grande do Sul

Prof.º Paulo Santos

No distante ano de 1902, primórdios do Século XIX, transcorria modorrenta e insípida a vida costeira neste rincão. Algumas matronas espreitavam nas janelas a espiar um garboso trote de algum gaúcho que cruzava as poeirentas vias do Itaqui.
Silêncios tantos. A existência grassava a passos de lesma. Muita calmaria no pacato vilarejo ribeirinho.
E na costa do “rio dos caracóis”, a outrora reluzente Flotilha do Alto Uruguai.
Era visível a constatação de que só restavam barcos velhos, encouraçados, canhoneiras, que se achavam em serviço desde a Guerra do Paraguai.
Frontaria da antiga oficina da Flotilha, de autoria do artista itaquiense Gracco Bonetti

Oito anos atrás, a Canhoneira Vidal de Negreiros e a Escuna América tinham sofrido forte tiroteio por parte dos revolucionários federalistas. Os mesmos, emboscados, no mato, mandaram “bala e bala” nas naves da Flotilha. Coisa feia! Fizeram vários furos na blindagem das mesmas, chegando a ultrapassar uma grossa chapa de ferro. Inclusive, teve marinheiros feridos. A tripulação destes barcos revidou com metralha e canhões.Tempos negros da Revolução Federalista, a da degola!
As críticas a esse arsenal de Marinha, em nossa fronteira, eram contundentes. Notícias vindas dos jornais do centro do país davam conta da pressão política para extinção da unidade. Apregoavam que os marinheiros vinham para passear e fazer bons casamentos. Que o ostracismo da vida fronteiriça rio-grandense era exacerbado.
Que a Flotilha não tinha naves de guerra nem pessoal habilitado para fazer frente a nenhum ataque estrangeiro. Que a maior parte do tempo, as canhoneiras, encouraçados, barcaças e outros embarcações ficavam encalhados na margem do Uruguai, na boca ou na bacia do arroio Cambaí. Por serem de grande calado, não reuniam condições de navegar em todo curso do rio Uruguai, somente sendo possível nas grandes cheias, quando os saltos, ao longo do rio, ficavam abaixo da correnteza, dando passagem às embarcações.
O Capitão-Tenente João Paraguassu era secretário e ajudante de ordens da Flotilha do Alto Uruguai, em 1902. Em matéria do Jornal Correio da manhã, RJ, edição 15906, de 10/09/1946, à página 15, ele relembra um episódio assaz curioso e inusitado na Flotilha: um duelo nos confins do mundo – Itaqui, 1902.
Num misto de culpa e cumplicidade, o ex-secretário detalha as nuances do duelo.
Anos 1900 – estranho haver duelo!
Um marinheiro, jovem ainda, namorador ao extremo e ciumento, na mesma proporção, andava de amores com uma moça da zona do Serro. Parte alta da cidade de Itaqui, zona da pedra, talvez não a pedra grês, a pedra “Itaqui”.
Relação sinuosa, viviam de entreveros, separações, brigas e ciúmes.
Numa feita, soube da amada com outro num baile. A coisa encrespou! Os fios do bigode eram os guardiões da honra e da masculinidade impoluta. Dedos em riste. Desacatos e uma certeza – duelo marcado! 
Sem “mimimi”, ali se resolvia na ponta da adaga....ou da espada!
A honra era fundamento inconteste.
O marinheiro requisitante pede a intercessão do Capitão-Tenente. Este, meio a contragosto, aceita.
Marcam o dia e a hora. Cada um lustrou a espada.
Mediram a distância. 
O oficial faz uma contagem simbólica, bate palmas e ordena o combate.
Imaginemo-la, uma cena aos moldes medievais, digna de combates épicos.
Que nada!
Os contendores eram valentes, mas pouco entendiam de esgrima. 
Parecia um duelo de cegos, porque batiam a torto e a direito. Um acertou o rim do outro, que revidou com um golpe no nariz do mesmo, quase decepando-o.
Nesse ponto, acudiu o médico da Flotilha e o duelo deu-se por encerrado.
Honra desagravada? Não se sabe.
Talvez a moçoila seguisse de baile em baile longe do galego marinheiro. São flashes do passado, inusitados à luz de nosso tempo, mas consistentes em suas razões. Afinal – o passado sempre imita a passado.
Quatro anos mais tarde,a Flotilha é extinta. Hoje, contemporâneos cidadãos visitam aquele sítio, sem o mesmo garbo, sem a mesma luzidia, sem a flegma aristocrática da monarquia, sem os românticos tons do passado glorioso.
postal por volta de 1908-1910, quando as instalações eram ocupadas pelo Exército


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