LUCIDÓRIO CAMARU
Um arremedo de mártir da República lá no distante Itaqui monárquico.
Prof.º
Paulo Santos
Certas personagens da
história de Itaqui são eventualmente desconhecidas por grande parte da comunidade.
Se perguntássemos quem foi Lucidório Camaru, eu creio que bem poucos saberiam
responder. Talvez meia dúzia de obstinados pesquisadores, ou algum adepto da
valorização das coisas do passado.
Vamos, então, tentar
sanar essa deficiência.
Lucidório Camaru era um jornalista, dono do bisemanário
A Gazeta do Sul, em Itaqui, no
conflitante tempo que antecedeu a República. As informações indicam que
Lucidório era um republicano convicto, escrevendo artigos contra a Monarquia,
fato que lhe granjeou antipatias múltiplas. Fruto desses ânimos acirrados foi
traiçoeiramente assassinado dia 24 de
setembro de 1889.
O mesmo saía de sua casa
em direção ao jornal, após as 9 horas da noite, em companhia de dois
companheiros: João Elizalde e José Loureiro, quando recebeu um tiro fatal,
vindo da esquina onde ficava a casa de negócio de Olivério José Gomes.
Havia um precedente: dia
2 de maio de 1889, Lucidório foi alvo de um ataque quando retornava de um
baile, sendo agredido por dois indivíduos que dispararam contra ele vários
tiros, causando ferimento numa perna. Mais de uma tentativa aconteceu.
Segundo, algumas fontes,
foi velado todo o dia 25, saindo o enterro dia 26 de setembro, sendo o féretro
conduzido à mão até o cemitério por mais de duzentas pessoas, o que para época
era um exagero. O cônego José de Noronha Nápoles Massa encomendou o corpo. O
fato deu-se nas imediações da antiga Ponte Seca. Esses dados tinha-nos através
do Dr.º Sany Silva, quando consultei suas fontes.
Havia rumores de que esta
morte fora encomendada pelos inimigos monarquistas diante das ferrenhas
críticas dirigidas ao governo de Dom Pedro II. O mesmo Monarca que em 1865
havia passado a cavalo pelo mesmo local aonde viera a sucumbir Camaru. Triste
ironia!
De acordo com as fontes
consultadas, há divergências de informações. Segundo outro registro do padre
Nápoles Massa, Camaru teria falecido em 21 de setembro de 1889, com 23 anos,
inclusive não havia no registro o nome dos pais, ficando em branco esse dado. Soube-se,
mais tarde, que sua mãe, Vistalina Camaru, após sua morte, andou em Porto
Alegre, pleiteando justiça para o filho assassinado. Segundo Massa, ele foi
sepultado no mesmo dia, contrariando fontes anteriores.
Antes, em 16 de março de
1889 chega uma correspondência da Secretaria do Governo da Província do Rio
Grande mandando anular uma proposta que a câmara municipal havia feito em favor
de Noronha da Fontoura para publicação dos trabalhos municipais, porque a mesma
não fizera concorrência pública, em detrimento de Lucidório Camaru, que
protestou. Quem sabe isso, mais algumas picuinhas politiqueiras do lugar não
alimentaram a caudilhada. Uma vez mobilizada, e na defesa de seus interesses,
no caso a permanência da Monarquia, providenciaram em silenciá-lo.
A notícia da morte foi
dada pelo mesmo jornal A Gazeta do Sul,
na edição n.º 161, terça-feira, dia 1.º de outubro de 1889. No mesmo jornal, no
dia 13 de setembro Lucidório denunciava uma tentativa de assassinato contra sua
pessoa ocorrida dia 11, dizendo que esperava todos os dias a repetição do ato.
A nota descreve que a
polícia da época fez pouco caso. Teriam prendido o suspeito do crime, tendo o
delegado aberto as portas da prisão e levado o mesmo “para o quartel a conviver
com seus soldados e com eles fazer correrias pela cidade.” A coisa era
complicada nos meandros do poder!
Havia indícios de que o
delegado autorizara o espancamento de Lucidório, porém negara seu extermínio.
O Jornal A Federação, através do todo poderoso Júlio de Castilhos, dispara
farpas fortíssimas contra a polícia local e alguns figurões da elite
itaquiense, detentores de posições políticas extremadas contrárias à República.
O mesmo jornal, em edição
de 11 de outubro de 1889, denunciava como cúmplices do assassinato aos cidadãos
Orlando, Jayme e Noronha, todos liberais. Inclusive, o primeiro andou por Porto
Alegre tentando provar sua inocência e pedindo apoio e proteção de seus
superiores políticos, o terceiro era um dos envolvidos na questão da proposta a
qual Camaru protestou.
A sociedade itaquiense,
no entanto, repudiou o nefasto crime. Parece que nada foi feito, o criminoso
não foi descoberto, e como o poder ainda estava nas mãos de gente ligada à
Monarquia, mesmo que com alguns adeptos republicanos, não havia interesse em ir
mais além. Lucidório era um ardoroso republicano, pagando bem caro por isso.
Entretanto, o advogado de
Camaru havia articulado um processo de defesa onde centrava a acusação nos
mandatários do delito. Por mais de uma vez foi adiado o julgamento, passados já
dois anos.
Após o assassinato,
alguns dos suspeitos foram presos em Itaqui, ficando em lugares que não era a
cadeia. Inclusive isso gerou uma questão das autoridades locais, requerendo ao
Estado o ressarcimento do aluguel pago às casas onde ficaram presos nesse período, o que foi negado.
Durante muitos anos, a
rua D. Pedro II recebeu o batismo de Lucidório Camaru, vilmente vitimado à
socapa pelos inimigos da República, na noite de 24 de setembro de 1889 (ou 21
de setembro, conforme o padre Nápoles Massa). Em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro
da Fonseca proclama a República, derrubando o regime monárquico. O sacrifício
de Lucidório não fora em vão.
Através de informações
orais, o local da morte de Lucidório Camaru seria na entrada da, hoje, área de
lazer, ao lado do porto local, haveria uma cruz onde constantemente se observam
velas acesas – ao menos essa é a informação oral.
Este texto consta, com
alguns acréscimos recentes, de nossa obra Agenda 150. Um passeio pelos
carrilhões do tempo pretérito itaquiense, Itaqui, Novigraf, Itaqui, 2008.
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