sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira




Dr.º HEMETÉRIO JOSÉ VELLOSO DA SILVEIRA


Uma sumidade em potencial: juiz, advogado, cronista, tribuno e peleador!


Prof.º Paulo Corrêa dos Santos


     Itaqui, fronteira, “garrão do continente”, “portal do Rio Grande” pode ufanar-se de conviver no seu passado histórico com uma personalidade rica, singular e de múltiplas atuações – Dr.º Hemetério José Velloso da Silveira.


     Nos primórdios da formação e estruturação legal do município, enquanto freguesia do outrora sentimental povo jesuítico de São Borja, então cidade, o juiz Hemetério foi designado para esta fronteira, vindo de Pernambuco, permutando com outro juiz daquela província (também do seu círculo familiar) aqui nomeado. Corria o ano de 1855.


     Veio da cidade de Garanhus, segundo algumas fontes, ou de Pau de Alho, segundo outras, Pernambuco, onde era promotor, nomeado para São Borja, porque havia indícios de que sua vida corria perigo. A imprensa pernambucana de então noticiava que o magistrado tinha sua existência ameaçada por autorizar prisões de pessoas da elite local por estarem envolvidas em tráfico de escravos da Europa, via oceano, prática proibida. Sua morte estava encomendada, diziam!


     Às vezes, pesquisadores provocam confusões na busca de dados a essa figura histórica já que seu pai tinha o mesmo nome: Coronel Hemetério José Velloso da Silveira, casado com Anna Joaquina da Silveira, naturais do Recife, PE. Em seu estado natal, Hemetério era nomeado como Júnior.


     A história daquela província nordestina teve muito de participação dos ascendentes de Hemetério. Seu pai foi um líder municipal, militar, atuando diretamente junto às forças do governo da província. Seus tios, ora liberais ora conservadores, tiveram destacada atuação nos principais movimentos histórico-políticos, nos períodos de 1808 a 1865, desde as crises do início da monarquia brasileira à Guerra do Paraguai. Um primo seu, Capitão Pedro Ivo Velloso da Silveira, é considerado um dos principais heróis pernambucanos, comparado ao nosso Bento Gonçalves, em situações similares. Pedro Ivo foi um dos líderes da Revolução Praieira, em 1848.


      O Dr.º Hemetério Velloso da Silveira, enquanto juiz de São Borja, viu-se envolvido num conflito assaz curioso e inusitado. Como Itaqui, freguesia daquele povo, dependia desse juiz para as tramitações oficiais, ocorreu, então, um desentendimento entre ele e o Cônego, Venerável Maçom, João Pedro Gay. 


      *Imagem do blogger Imagens Missioneiras


      Hemetério percebeu que Itaqui arrecadava quase o dobro em imposto do que o município-mãe, devido ao intenso comércio fluvial, principalmente por ser o principal porto de exportação de erva mate vinda do planalto gaúcho, sugeriu aos habitantes que solicitassem a emancipação do povoado.


     Isso aconteceu. O padre francês, outra sumidade, não aceitou passivamente tal atitude e travou com o douto juiz uma séria altercação. Os relatos sobre o incidente dão conta de que “a coisa foi braba”! Duas personalidades fortes em ebulição. Fogo contra fogo! Gay cobrou de Hemetério e, este, impulsivo e diligente, teria, no fervor da discussão, batido com um chicote de mão no rosto do sacerdote. “Pra quê”!


     O reverendo queixa-se ao bispo da província. Prontamente! Uma Provisão, vinda de Porto Alegre, com data de 5 de julho de 1857, excomunga o juiz da Igreja Católica. Isso era uma punição das mais drásticas. Coisa séria!


     Ato seguinte, por indicação das autoridades superiores, ou por opção sua, Hemetério foi transferido de comarca. Desiludido, abandonou a magistratura, enveredando para a advocacia (pelo que se sabe, advogado dos bons!). Foi, então, encaminhado para Cruz Alta no ano de 1857, logo após o conflito.


     Ali, advogou e envolveu-se na vida pública e social do município, chegando, inclusive, a ser vereador e presidente da câmara.


     Gênio intempestivo, Hemetério não conseguia conviver com a calmaria. Os condores não se dão bem nas pradarias!


     Em Cruz Alta bateu de frente com o poderoso caudilho, Coronel Pinheiro Machado, umas das fortes lideranças políticas da província.


     A bibliografia consultada informa ainda que Hemetério “topou parada” até com o lendário Osório, Marquês do Herval. Conviveu na assembleia provincial com o famoso tribuno Silveira Martins, embora se respeitassem, o chefe federalista teve alguns retruques do deputado pernambucano. Tino aguçado, inteligência privilegiada, gênio explosivo, não “levava ninguém para compadre”!


    Saído de Cruz Alta, foi ser deputado provincial, em Porto Alegre, atuando na assembleia legislativa por dois mandatos, fazendo até parte da mesa diretora dos trabalhos.


      Uma das obras mais representativas da historiografia rio-grandense é sua: As Missões Orientais e seus Antigos Domínios, editada em 1910, com uma documentação extraordinária sobre essas comunidades. Há, inclusive, capítulo inteiro sobre Itaqui.


     Parece que nem aqui, mesmo após sua saída, era reconhecido. Quando veio, um ano antes da publicação, colher informações sobre a cidade, quase ninguém quis cedê-las. Por quê? Líderes políticos, caciques da vila, não o aceitavam muito. Um coronel, descendente do famoso Antonio Fernandes Lima, em 1888, trava com ele sérias contendas, a ponto de se odiarem.


     Por outro lado, sua inteligência e erudição eram tantas e admiradas que era convidado para tudo. Participou da criação da Academia e Faculdade de Direito do Rio Grande do Sul e estava entre os primeiros da Academia de Letras Rio-grandense.


     Era maçom, sendo considerado uma das mais altas autoridades desta ordem, chegando a criar e reorganizar algumas lojas no país.


   Como advogado, defendeu causas polêmicas, sendo sempre incisivo e se insurgindo contra interesses escusos. Um deles, por exemplo, era a reivindicação de fazendeiros e proprietários em geral de Itaqui, solicitando indenização frente aos alegados roubos e destruição das propriedades pelo exército paraguaio em 1865.

     Hemetério indigna-se frente a isso, vociferando, de forma tenaz, contra esses pleiteantes, alegando que alguns solicitavam indenizações de gado roubado quando sequer o exército invasor entrara naquela propriedade ou cercanias. Da mesma forma, insinua haver má fé dos que pediam tal ressarcimento, quando na verdade não possuíam o número de animais que alegavam terem perdido. Essa alegação é de 1873. Ele não estava mais aqui. A forma como reage à solicitação parece ter uma conotação de crítica a alguns líderes militares e políticos do lugar que ajudara emancipar, mas que fora execrado e esquecido.


     Sabe-se que teve uma família numerosa. Segundo informações próprias, seus filhos no Rio Grande totalizariam 19, com duas esposas: Manoela Baptista da Silveira, falecida em 1874, e Etelvina da Silveira Torres, esta em 1908. Acredita-se que possa existir uma enorme descendência espalhada pelo país. Não se observam estudos específicos sobre isso. Conseguimos formatar a genealogia desse doutor, pelo lado paterno, com muitos dados.


     Em 1893 foi para Recife acompanhar o findar da vida de seu pai, falecido neste ano. Por lá ficou algum tempo, advogando e exercitando a atividade de líder maçônico.


     Nasceu em 1824, no Recife, e faleceu com 89 anos e 9 meses, no Rio de Janeiro, em 1913. É considerado uma das mais fecundas inteligências de seu tempo, dando-nos o privilégio de ter passado, com proeminência, por nossas densas sesmarias missioneiras e feito história. 


     Odiado por uns, idolatrado por outros, o importante é que fez história.

 
     Em Itaqui que homenagem tem a ele? Ora, o nome de um trecho no acesso de saída da cidade, que ninguém conhece. É pouco? Não se sabe. Em Cruz Alta tem nome de rua e parece que em Porto Alegre também. Nada disso descarta sua intensa e profícua atividade como homem público – um dos mais representativos num dos períodos mais efervescentes de nossa história.




15 comentários:

  1. Peço aos amigos e simpatizantes que ao acessarem este blogger, fiquem á vontade para comentarem, discordarem, acrescentarem, perguntarem e se posicionarem. Para mim isso seria ótimo. Grato.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Professor Paulo Corrêa!
    Pela iniciativa de criar um Blog com uma finalidade que vem ao encontro dos que primam preservar a História do nosso Itaqui. Compartilho de minha alegria em ler suas postagens, pois só quem gosta de ler, escrever e fazer pesquisas sabe o quanto é importante compartilhar o conhecimento.
    Outro fato de extrema relevância deste Blog é que em Itaqui-RS não existe um lugar público destinado a preservação dos fatos históricos, portanto é através de suas pesquisas, crônicas, relatos, biografias, artigos e afins da História do Rincão da Cruz-RS, é que vamos reconstruir o Acervo Histórico de nosso município. E você Prof. Paulo, é o sujeito que faz este trabalho com ética, competência e por amor a história de nossa terra. Fica aqui meu reconhecimento por entenderes que o conhecimento não deve se perder com o tempo e nem ficar guardado em uma gaveta. Obrigada por sua contribuição ao Patrimônio Cultural e Histórico de nosso Itaqui-RS.

    ResponderExcluir
  3. Professor Paulo, a história de Dr. Hemetério é tão atual quanto a que vivenciamos hoje com o Juiz Sérgio Moro, os dois, cada um a seu tempo, defendem a Doutrina Jurídica, o que prescreve a Lei. Mas desde os tempos passados os Direitos Constitucionais incomoda e atrapalha quem deseja se beneficiar do que não é seu por direito, fato este que presenciamos em todas as instâncias de poder de nossa sociedade.
    Saliento também que você menciona o papel da Imprensa, que é o de informar a população de todo e qualquer acontecimento ou até mesmo que esta venha sair em defesa dos interessas da sociedade, no entanto não é isso que vemos acontecer, pois por trás da imprensa temos um governo que detém o poder de concessão sejam elas escritas ou faladas. E para completar este quadro crítico, além da falta de postura ética da mídia, a humanidade também está carente de homens com princípios e valores, que saibam de fato qual é sua missão como sujeito ativo em uma sociedade.
    Quanto ao Dr. Hemetério, é louvável todo seu conhecimento e relevância na história de nosso Itaqui RS, no entanto faltou-lhe a humildade e o respeito ao próximo, agredir fisicamente o Padre, apenas porque divergia de suas ideias, é algo para primatas sem conhecimento. O diálogo sempre foi a melhor forma para mediar as adversidades, a agressão não constrói pontes, mas sim muros que impedem o desenvolvimento e crescimento. E a respeito das informações de sua pesquisa, o “roubo de gados” me remete ao passado e lembro de alguns episódios que ficaram marcados em minhas lembranças, as prisões de alguns Itaquienses que faziam o contrabando de gados vindos da Argentina para o Brasil. Bem sabemos de Famílias tradicionais de nosso Itaqui, que fizeram sua fortuna com os tais contrabando de gados sem procedência legal. Passado ou presente os tempos são difíceis para quem prima pela justiça em nosso País, hoje o Brasil é vergonha Nacional por ainda praticar a corrupção sem escrúpulos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cara professora, Dirce, uma incentivadora contumaz de nosso trabalho de pesquisa. Concordo com seus comentários. As personagens históricas são humanos - propensos ao acerto e erro. Idolatrá-los é um risco, condená-los sem um juízo mais acurado, também. Nossa realidade presente mostra um pouco isso. Queria mostrar a qualidade das ações desse juiz contrapondo com suas oscilações temperamentais e de personalidade.

      Excluir
  4. Prof Paulo, parabéns pelo excelente trabalho. Meu nome é Eulene Hemétrio. Sou jornalista e pesquiso há algum tempo a origem do meu sobrenome, tendo chegado a 840 registros na minha árvore genealógica e, ainda assim, sem conseguir identificar a origem dos meus antepassados. O sr. acredita que haveria alguma possibilidade de "Hemétrio" ser uma derivação de "Hemetério", por necessidade ou simples erro de digitação? Temos, na história da família, o registro de muitos políticos e delegados, o que me faz pensar que talvez sejamos alguma ramificação do Del. Hemetério. O mais longe que consegui chegar até hoje na minha árvore foi em Miguel Joaquim Hemétrio, que viveu de maio de 1855 a abril de 1856 - sendo delegado em Itabira/MG. Seu filho, Major Hemétrio, nasceu em 11 de setembro de 1863, em Itabira e fez grandes feitos aqui em Minas. Ficaria muito grata com sua resposta.

    ResponderExcluir
  5. Se possível, poderia disponibilizar os estudos genealógicos referentes ao pai do Del Hemeterio?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato pela leitura e comentários. Vou mandar para teu email os estudos que tenho da ramificação deste personagem.ok?

      Excluir
  6. Olá! Descendo dos Velloso da Silveira pernambucanos e tenho interesse na Genealogia do Hemetério José.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. faça contato com meio email paulo-itaqui57@hotmail.com e conversaremos

      Excluir
  7. Boa noite, sou Paulo Mário Paiva Silveira, Dr Hemetério era meu Bisavô.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Interessante. Grato pelo prestígio. De qual dos filhos dele vem sua genealogia? Que informações você teria, a título de lembranças familiares, de seu bisavô?

      Excluir
    2. Boa noite,meu avô era o coronel engenheiro engenheiro militar,irmão do Capitão Pedro Velloso da Silveira comandante do navio mercante CABEDELO AFUNDADO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Toda a tripulação do mercante desapareceu. Meu avô faleceu no Rio de Janeiro em 1942.

      Excluir
    3. Em tempo,meu avô era o Cel engenheiro militar Mário Velloso da Silveira,foi comandante como capitão do batalhão ferroviário de Santo Ângelo em 1919. Sua esposa era NOHEMIA VELLOSO , que é citada nesse BLOG.

      Excluir
  8. Muito obrigado pelo material. Estou pesquisando sobre o nome Hemeterio que é tradicional na minha família. Descobri por pesquisas que o pai do referido deu origem ao nome do bairro periférico Bomba do Hemetério, na cidade do Recife.

    https://www.brasildefatope.com.br/2019/06/06/no-seculo-xix-a-bomba-do-hemeterio-iniciava-sua-historia-com-estrada-e-bomba-dagua

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela presença e prestígio neste blogger. Tenho intenção futura de lançar uma obra sobre este juiz. Tenho bastante material sobre o mesmo. Podemos trocar informações. Meu email: paulo-ita15@hotmail.com. Grato.

      Excluir

O Minhocão de Itaqui

                        O Minhocão de Itaqui:   o limite entre o real e o imaginário ! Prof.º Paulo Santos O limite entre o real e o ima...