Itaqui: de empório ervateiro a
entreposto de contrabando.
Um progresso fulminante sob a égide de
práticas corriqueiras do comércio fluvial fronteiriço
Prof.º Paulo Santos
Itaqui
situava-se, em sua formação inicial como um entreposto importante do comércio
da erva mate na fronteira oeste. Ainda que não houvesse sequer um pé dessa
planta no território itaquiense, por aqui passava a maior parte do volume de
transações do produto para outros portos.
O povoado,
criado por volta de 1821, mantinha uma rota comercial com o porto de Curuzu
Cuatiá, no lado argentino, da mesma forma que ocorria com São Borja e Itapuã,
no Paraguai. Por esta rota ingressava a erva brasileira exportada para outros
portos ao longo do rio Uruguai.
Como
se sabe, o porto de Itaqui nasceu como um posto militar devido às constantes
invasões dos espanhóis, desejos de reconquistarem os povos missioneiros
entregues aos portugueses. Dessa forma, o governo da província instalou um
acampamento militar comando pelo Capitão Fabiano Pires de Almeida, morador de
São Borja, com 150 soldados, situados, inicialmente, na barra do arroio Cambaí,
sendo transladados, mais tarde, para a área onde hoje seria o centro da cidade
de Itaqui.
A povoação
foi recebendo imigrantes italianos e franceses, alguns fugitivos dos movimentos
bélicos fronteiriços. Pequenas e grandes embarcações faziam o comércio
itinerante no Uruguai, procedentes do Rio da Prata.
De Itaqui
era exportado gado vacum, couros e mulas para a região de Corrientes,
Argentina. A bibliografia constante sobre o tema dá conta de que os povoadores
de Itaqui se dedicavam ao comércio de erva mate.
Por aqui
ingressavam muitos artigos que eram distribuídos para os mercados de Cruz Alta
e Passo Fundo.
Por
isso, cabe afirmar que em determinados períodos, Itaqui teve sim um progresso
fulminante.
Por outro
lado, muito dos autores salientam o predomínio do contrabando, tanto do lado
argentino quando do lado oriental, repercutindo em Itaqui como rota importante
desse comércio flutuante.
Entre 1.º de junho de 1857 a 30 de junho
de 1858, por exemplo, passavam pelo porto de Itaqui 1.324.593 quilos de erva
mate para a Argentina. Somados às remessas feitas ao Uruguai (1.923.593 quilos)
alcançavam o total de 3.248.186 quilos, algo exorbitante para uma praça que não
tinha sequer um pé de erva mate em suas terras.
Nesse mesmo período, o porto de Itaqui
recebera mais de 1.600 carretas de erva. Um pouco dessa quantia era consumida
no povo e o demais, exportado.
O endereço
uruguaianaatalaiadapatria.worpress.com (2019) traz curiosa informação sobre o
surgimento do comércio flutuante de Itaqui:
(...)
O local aonde se ergue hoje (1816) a cidade de Itaqui possuía apenas alguns
ranchos agrupados em torno de uma pequena casa comercial que servia de base para
o contrabando com a Argentina, a esse tempo chamava-se este local, Rincão da
Cruz.
Observa-se que a prática do contrabando
era anterior ao estabelecimento do empório da erva mate. Ainda que esse
comércio fosse forte e que mais tarde fosse agregado ao trânsito comercial da
erva mate nesta fronteira, Itaqui demorou a progredir. Maestri (2019) nos
informa que em 1865.
A povoação era nova e acanhada, tendo
crescido devido ao comércio de erva mate. Ela possuía sobretudo casas de adobe
e teto de palhas – apenas alguns negócios e moradias mais ricas eram levantadas
em alvenaria e telhados.
Em 1838,
por exemplo, o passo de Itaqui (na frente de La Cruz) e o Passo de Santa Ana,
atual cidade de Alvear, na Argentina, eram habilitados para o comércio e
exportação de gado, migrando de Itaqui para localidades como Curuzu Cuatiá e
Esquina, na porção argentina da margem do rio Uruguai. Era uma freguesia de São
Borja.
Até 1860
havia um trânsito intenso de carretas e cargueiros comerciais na rota Yaguareté
Corá – Curuzu Cuatiá até Mirinãy através do porto de Itaqui. Daqui eram
enviados em buques (barcos maiores) para Buenos Aires. (Gadelha, p.119).
Reminiscência arqueológica de La Cruz - Relógio Solar - (foto disponível em www.taringa.net) |
Devido
às guerras civis suscitadas desde 1838 entre uruguaios e argentinos, muitas
vezes o trânsito das mercadorias exigia guias solicitadas pelas mesas de
rendas. Assim, para burlar este controle muitos comerciantes desviavam por
rotas e caminhos mais difíceis. E a resposta ao cumprimento das obrigações
alfandegárias e a busca por melhores lucros foi o contrabando.
Segundo
informação de 1869, as ervas do Uruguai vinham exclusivamente para Itaqui. Em 1870
havia apenas dois guardas fiscais pra cuidar do contrabando, comum no porto de
Itaqui.
Tais
informações davam conta de que as casas comerciais de Itaqui eram abarrotadas
de produtos contrabandeados. Os mercados de Buenos Aires e Montevidéu, como centros
do comércio internacional por volta de 1850, abasteciam esta região com
produtos manufaturados, incentivando, também, a entrada de capitais internos e
estrangeiros.
Medrano
(1989, p.292) destaca o caráter ilícito desse comércio:
Hasta 1852 estas atividades eran realizadas
de contrabando por sus fronteras dando origen a un intercambio espontaneo,
pero, constante. Embarciones de pequeno y médio porte surcaban las aguas del
rio y cruzaban de uma orilla a outra transportando produtos locales, y hasta
europeos que entraban de contrabando por suas fontreras.
Isso
acontecia porque a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul possuía enorme
facilidade de navegação pelo rio Uruguai. Os produtos vindos da Europa e dos
Estados Unidos chegavam aos portos de Buenos Aires e Montevidéu migrando,
depois, para nossa fronteira fluvial.
O jornal
Argos, de Santa Catarina, edição 155, p.3, de 1857, estampava curiosa notícia
de contrabando em Itaqui:
Em 24 de abril de 1857 se projetou a
realização de um contrabando na margem do Uruguai. Duas carretas, à meia noite,
estavam recendo mercadorias de dois botes, do território de Corrientes, na
direção de Itaqui. Foram apreendidos 17 volumes com fazendas, duas carretas e
16 bois mansos e gordos.
Inclusive,
nas fontes pesquisadas havia indícios da colaboração dos guardas aduaneiros acobertando
contrabandistas. Alguns eram denunciados e punidos, outros, fugiam para o lado
argentino.
São Borja
perde o monopólio do comércio da erva mate e os comerciantes migram para o
porto de Itaqui porque vislumbravam maior poder de lucro e mobilidade de
trânsito para escoamento de seus produtos. Alguns pagavam os impostos devidos
às mesas fiscais; outros, nem tanto. Afinal, o contrabando era uma prática
recorrente. E consentida. Comerciantes que se salientaram na economia antiga de
Itaqui e se tornaram personalidades importantes na história, legando para seus
descendentes grandes capitais, fizeram-se, assim, pelo contrabando. E não foram
poucos, não! Citá-los agora não seria adequado porque sobejam descendentes deles
no Itaqui grande.
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