segunda-feira, 23 de março de 2020

Itaqui: de empório ervateiro a entreposto de contrabando.


Itaqui: de empório ervateiro a entreposto de contrabando.
Um progresso fulminante sob a égide de práticas corriqueiras do comércio fluvial fronteiriço
Prof.º Paulo Santos
Itaqui situava-se, em sua formação inicial como um entreposto importante do comércio da erva mate na fronteira oeste. Ainda que não houvesse sequer um pé dessa planta no território itaquiense, por aqui passava a maior parte do volume de transações do produto para outros portos.
O povoado, criado por volta de 1821, mantinha uma rota comercial com o porto de Curuzu Cuatiá, no lado argentino, da mesma forma que ocorria com São Borja e Itapuã, no Paraguai. Por esta rota ingressava a erva brasileira exportada para outros portos ao longo do rio Uruguai.
Como se sabe, o porto de Itaqui nasceu como um posto militar devido às constantes invasões dos espanhóis, desejos de reconquistarem os povos missioneiros entregues aos portugueses. Dessa forma, o governo da província instalou um acampamento militar comando pelo Capitão Fabiano Pires de Almeida, morador de São Borja, com 150 soldados, situados, inicialmente, na barra do arroio Cambaí, sendo transladados, mais tarde, para a área onde hoje seria o centro da cidade de Itaqui.
A povoação foi recebendo imigrantes italianos e franceses, alguns fugitivos dos movimentos bélicos fronteiriços. Pequenas e grandes embarcações faziam o comércio itinerante no Uruguai, procedentes do Rio da Prata.
De Itaqui era exportado gado vacum, couros e mulas para a região de Corrientes, Argentina. A bibliografia constante sobre o tema dá conta de que os povoadores de Itaqui se dedicavam ao comércio de erva mate.
Por aqui ingressavam muitos artigos que eram distribuídos para os mercados de Cruz Alta e Passo Fundo.
Por isso, cabe afirmar que em determinados períodos, Itaqui teve sim um progresso fulminante.
Por outro lado, muito dos autores salientam o predomínio do contrabando, tanto do lado argentino quando do lado oriental, repercutindo em Itaqui como rota importante desse comércio flutuante.
Entre 1.º de junho de 1857 a 30 de junho de 1858, por exemplo, passavam pelo porto de Itaqui 1.324.593 quilos de erva mate para a Argentina. Somados às remessas feitas ao Uruguai (1.923.593 quilos) alcançavam o total de 3.248.186 quilos, algo exorbitante para uma praça que não tinha sequer um pé de erva mate em suas terras.
Nesse mesmo período, o porto de Itaqui recebera mais de 1.600 carretas de erva. Um pouco dessa quantia era consumida no povo e o demais, exportado.
O endereço uruguaianaatalaiadapatria.worpress.com (2019) traz curiosa informação sobre o surgimento do comércio flutuante de Itaqui:
(...) O local aonde se ergue hoje (1816) a cidade de Itaqui possuía apenas alguns ranchos agrupados em torno de uma pequena casa comercial que servia de base para o contrabando com a Argentina, a esse tempo chamava-se este local, Rincão da Cruz.

Observa-se que a prática do contrabando era anterior ao estabelecimento do empório da erva mate. Ainda que esse comércio fosse forte e que mais tarde fosse agregado ao trânsito comercial da erva mate nesta fronteira, Itaqui demorou a progredir. Maestri (2019) nos informa que em 1865.
A povoação era nova e acanhada, tendo crescido devido ao comércio de erva mate. Ela possuía sobretudo casas de adobe e teto de palhas – apenas alguns negócios e moradias mais ricas eram levantadas em alvenaria e telhados.

Em 1838, por exemplo, o passo de Itaqui (na frente de La Cruz) e o Passo de Santa Ana, atual cidade de Alvear, na Argentina, eram habilitados para o comércio e exportação de gado, migrando de Itaqui para localidades como Curuzu Cuatiá e Esquina, na porção argentina da margem do rio Uruguai. Era uma freguesia de São Borja.
Reminiscência arqueológica de La Cruz - Relógio Solar - (foto disponível em www.taringa.net)
Até 1860 havia um trânsito intenso de carretas e cargueiros comerciais na rota Yaguareté Corá – Curuzu Cuatiá até Mirinãy através do porto de Itaqui. Daqui eram enviados em buques (barcos maiores) para Buenos Aires. (Gadelha, p.119).
Devido às guerras civis suscitadas desde 1838 entre uruguaios e argentinos, muitas vezes o trânsito das mercadorias exigia guias solicitadas pelas mesas de rendas. Assim, para burlar este controle muitos comerciantes desviavam por rotas e caminhos mais difíceis. E a resposta ao cumprimento das obrigações alfandegárias e a busca por melhores lucros foi o contrabando.
Segundo informação de 1869, as ervas do Uruguai vinham exclusivamente para Itaqui. Em 1870 havia apenas dois guardas fiscais pra cuidar do contrabando, comum no porto de Itaqui.
Tais informações davam conta de que as casas comerciais de Itaqui eram abarrotadas de produtos contrabandeados. Os mercados de Buenos Aires e Montevidéu, como centros do comércio internacional por volta de 1850, abasteciam esta região com produtos manufaturados, incentivando, também, a entrada de capitais internos e estrangeiros.
Medrano (1989, p.292) destaca o caráter ilícito desse comércio:
Hasta 1852 estas atividades eran realizadas de contrabando por sus fronteras dando origen a un intercambio espontaneo, pero, constante. Embarciones de pequeno y médio porte surcaban las aguas del rio y cruzaban de uma orilla a outra transportando produtos locales, y hasta europeos que entraban de contrabando por suas fontreras.

Isso acontecia porque a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul possuía enorme facilidade de navegação pelo rio Uruguai. Os produtos vindos da Europa e dos Estados Unidos chegavam aos portos de Buenos Aires e Montevidéu migrando, depois, para nossa fronteira fluvial.
O jornal Argos, de Santa Catarina, edição 155, p.3, de 1857, estampava curiosa notícia de contrabando em Itaqui:
Em 24 de abril de 1857 se projetou a realização de um contrabando na margem do Uruguai. Duas carretas, à meia noite, estavam recendo mercadorias de dois botes, do território de Corrientes, na direção de Itaqui. Foram apreendidos 17 volumes com fazendas, duas carretas e 16 bois mansos e gordos.

Inclusive, nas fontes pesquisadas havia indícios da colaboração dos guardas aduaneiros acobertando contrabandistas. Alguns eram denunciados e punidos, outros, fugiam para o lado argentino.
São Borja perde o monopólio do comércio da erva mate e os comerciantes migram para o porto de Itaqui porque vislumbravam maior poder de lucro e mobilidade de trânsito para escoamento de seus produtos. Alguns pagavam os impostos devidos às mesas fiscais; outros, nem tanto. Afinal, o contrabando era uma prática recorrente. E consentida. Comerciantes que se salientaram na economia antiga de Itaqui e se tornaram personalidades importantes na história, legando para seus descendentes grandes capitais, fizeram-se, assim, pelo contrabando. E não foram poucos, não! Citá-los agora não seria adequado porque sobejam descendentes deles no Itaqui grande.

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