Caçada de tigre! Bala benta no defunto! Pau no
paralítico!
PODE ISSO, ARNALDO?
O hilário e o pitoresco no Itaqui Antigo
Prof.º
Paulo Santos
Como
é gostoso mexer nos gravetos do passado. Tanta coisa curiosa e engraçada brota.
Assopra-se e as brasas se avivam. Quero resgatar algumas dessas reminiscências
pitorescas e hilárias à luz de nosso tempo. Muitas, ligadas à minha genealogia.
Por
exemplo, Ismael Floriano Machado
Fagundes, rico estancieiro e chefe de uma família importante do século
passado itaquiense, teria, certa feita, desferido um tiro numa pessoa de nome
Tastu, ou algo semelhante, com uma bala de prata quando este indivíduo já era
cadáver. Uma bala benzida pelo padre, famosíssimo, Leon Blondet, objetivando
livrar o defunto da possessão demoníaca. E o tiro deveria ser no coração. O dito
cujo veio para Itaqui por volta de 1903, trazido por Ismael Floriano. E nas
noites de lua cheia, creiam, virava lobisomem. Este belo enredo quase que
folclórico foi-nos passado pelo artista e pesquisador da terra, Jorge Vômero,
quando o ajudávamos na montagem de sua obra “Da Casa Grande do Tempo”,
infelizmente não editada.
O
pai desse Ismael, José Floriano Machado
Fagundes, tinha, pelos lados do Santiago do Boqueirão, pelos idos de 1860 a
1880, o hobby de caçar tigre. Depoimento de um tio nosso, confirma que o mesmo
conservava em sua estância uma matilha de 40 cães tigreiros. Esses eram
utilizados na caçada. Eles localizavam o felino e o encurralavam para um local
onde o caçador pudesse alvejá-lo. O interessante dessa narrativa é que José
Floriano repetia ao grupo que o apoiava na caçada(inclusive escravos) – nenhum poderia
demonstrar medo – o tigre sempre percebia!
O
pai de José, o Tenente de Milícias
Floriano Machado Fagundes, perdeu a vida quando sua fazenda foi invadida
por uns correntinos. Alguns foram seus peões e estavam ali para um acerto de
contas. Não houve acerto e Floriano e dois escravos investiram contra os mesmos
sendo assassinado, em 1848, num
local próximo do Bom Retiro, na época pertencia a São Borja. A esposa de
Floriano veio em socorro do marido e trazia uma santa na mão. Um dos bandidos
desferiu um golpe forte de adaga contra ela, não acertando de cheio, pois a
lâmina pegou na santa de madeira, livrando-a da morte certa. Até hoje, os
descendentes dessa família, pelo lado Palmeiro, guardam esta relíquia onde se
observa a falha, na mão direita, vide foto, produzida pelo corte.
Imagem da santa mutilada, família Palmeiro/Floriano do blog Sangue Palmeiro |
Dois
tios-avôs do ramo Silveira, lado
paterno, quando meninos eram obrigados a vestir roupas de meninas. Segundo a
fonte ouvida, isso fazia parte de uma promessa firmada por seus pais, num tempo
de sete anos. Havia, inclusive, fotos comprovando. Hoje seriam ridicularizados
e discriminados duramente.
Outro
ascendente, Mathusalem do Nascimento Correa,
foi preso em 1920 por ferir com arma de fogo a outro elemento. O mesmo,
seis anos atrás, já como cabo do Exército, junto a outro praça atacaram e surraram a um paralítico de sobrenome Borgia, tirando-lhe o chapéu e o
revólver. Imaginem se não fosse paralítico?!
Um
bisavô do ramo materno, Ismael Leão de
Mello, era tido como homeopata, recebendo e atendendo muitas pessoas em sua
casa e receitando remédios da Homeopatia. Tinha diversos livros sobre o
assunto. Dele herdo o mister de registrar o passado. Ele possuía um caderno
onde constavam os acontecimentos, datas e demais informações de seus parentes. Infelizmente,
sobrou somente a primeira folha manuscrita desse livro, que guardo com carinho.
Hoje assumi a tarefa de seguir esse legado, mantendo em meus arquivos boa parte
da história de minha família.
No
ano de 1897, meu trisavô paterno, Augusto Silveira Dutra, foi atacado, em
sua fazenda, por uma “partida de salteadores” com os rostos pintados de
vermelho e preto. Augusto resistiu, com os seus, conseguindo ferir um dos
invasores. Na fuga, os companheiros resolveram eliminá-lo para que não os
entregassem. A coisa ficou feia! O estancieiro, junto a outros homens da
família, atirava nos bandidos e pedia que as mulheres municiassem as armas,
enquanto outra turma fervia água e colocava em panelões para atirar neles caso
invadissem a sede. Augusto, no furor da peleia, gritava: não se entreguemo pra bandido! Como resultado dessa refrega ficou
com uma perna entrevada.
A
esposa de Augusto, dona Clarinda
Bertulina de Medeiros Dutra, costumava contar a todos que havia um grande “enterro”
perto da casa onde moravam, próximo a umas figueiras. Isso ficava no Passo da Cachoeira,
lugar de balas, água fervente e moedas de outro enterradas.
Após
o incidente na fazenda de Augusto Dutra, o Coronel Felipe Nery de Aguiar, então intendente de Itaqui na época,
providenciou num policial do município para guarnecer por um tempo a propriedade
invadida pelos bandidos. Felipe Nery e Augusto eram primos-irmãos.
Em
setembro de 1920, um período em que
Itaqui estava em polvorosa, em certa altura da rua Rafael Pinto Bandeira, outro
ascendente meu, Fructo do Nascimento
Correa, um pouco tomado das “bebidas espirituosas” deu um tiro a esmo, num
botequim daquela rua. Coisa boba, brincadeirinha da época! Foi admoestado por
um sargento da brigada ali chamado. Fructo não gostou e “tacou bala” no brigadiano.
Não acertando de início, entraram em luta corporal. O botequineiro tentou apartar.
Pra quê! Não deu certo – os dois foram alvejados por Fructo, vindo a óbito o
sargento da Brigada Militar. Qualquer coisinha e a bala comia frouxa!
Como
se viu, a desordem, as correrias e as valentias campeavam a esmo! Na verdade, o
presente nada mais é do que um simulacro do passado. Tem apenas uma roupagem
nova. Hoje gangues poderosas dinamitam bancos e comandam comunidades inteiras. Bêbados
inconsequentes matam milhares no trânsito e nos bares da vida. Alguns ainda
conseguem fazer o bem. São poucos, mas necessários.
E
o imaginário coletivo continua se processando na vida cotidiana.
Respondendo
a pseudopergunta do título: - pode, hoje
tudo pode!
Antes,
então, nem se fala!
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